CRÍTICA | ‘A Três Vamos La’ sintetiza o complicado universo dos relacionamentos contemporâneos
Tatiana Reuter
Micha (Félix Moati) e Charlotte (Sophie Verbeeck) são um casal que se conhece há alguns anos e vive junto em uma nova casa em Lille. Lá, são amigos de Melodie (Anais Demoustier), uma advogada em início de carreira que atende clientes de difícil defesa. Há alguns meses Melodie e Charlotte mantêm um relacionamento escondido, até que o mesmo começa a acontecer entre Micha e Melodie. Confusa, sem tempo e tendo que montar um cronograma que não interrompa seus compromissos profissionais ou entregue seus relacionamentos com cada parte do casal, Melodie vive em tensão e confusão constantes.
O filme é leve e gostoso de assistir, é desses de domingo à tarde em algum cinema de bairro, sem compromissos ou pretensões de qualquer obra prima. As comédias românticas têm o propósito de fazer passar o tempo e nos deixar saudosos de alguma coisa que até podemos nem ter tido, mas que não chega a machucar os corações e A três segue essa cartilha. Há, contudo, alguns exageros de roteiro que beiram o absurdo, quase escapando à verossimilhança, mas não chegam a inviabilizar a estrutura básica da trama. O importante é ver o desenrolar dos diversos enlaces amorosos e sua conclusão que me deixou dividida, pensando se faltou uma melhor saída para o roteiro ou se, na verdade, é esta a melhor forma de fazê-lo, levando em conta a construção gradual de seus personagens.
Acreditando que a segunda opção é a mais coerente, o filme reforça um comportamento que reflete o que vivemos hoje, das liberdades e múltiplas visões nos relacionamentos. Hoje, importa muito pouco a opção sexual ou opções como marcadores e rótulos definitivos para as pessoas. O desejo é o principal motivador e ele se define enquanto se instaura, quando é despertado em alguém por outrem. Da mesma forma, a manutenção das relações é tão fluida ou mais, sobrevivendo como um equilibrista sob um cabo extremamente fino que pende agressivamente para qualquer lado que o vento soprar. Hoje são poucos os casais que, em um relacionamento monogâmico permanecem juntos por longo tempo, atravessando situações difíceis antes de desistir à primeira crise. Se nada é tão consistente, se tudo pode ser testado, estão todos disponíveis ou em vias de, e assim, os envolvimentos acabam superficiais, já que o aprofundamento exigiria tempo, escolha – portanto indisponibilidade – e dedicação, como aponta e contraponto a personagem de Charlotte. Quanto menor o envolvimento, menos crises, menos aprofundamento e dedicação, menos cuidado.
Essa fluidez é marca do que nos é contemporâneo e não está de todo errado se adequado a seus interesses, mas nem sempre é compreendido, racionalizado desta forma. Uma versão honesta é evidente em todo o filme, mais particularmente com Micha e Melodie, considerando a história de cada um deles e as consequências de seu posterior envolvimento. Os personagens são atropelados por suas histórias, quase não dão conta das consequências de suas ideias. Mas nada que se transforme em tragédia, ao contrário, o filme rende bons momentos e nos faz refletir em meio a um caos, que, ainda bem, não é nosso.
À parte seus exageros, o longa-metragem é relevante e divertido, com sequências cuidadosamente elaboradas das cenas de expectativas e sua grande e bonita conclusão, quando os três se encontram. Em tempos de amor líquido, aquele teorizado por Bauman e vivido por todos nós quase sem nos darmos conta, cada personagem põe em prática um tanto, com uma sinceridade sutil, escondida na leveza que o gênero promete.
FICHA TÉCNICA