50 Anos de James Bond – Parte 23: “007 – Operação Skyfall”
Pedro Lauria
Apoteótico.
É como posso definir o filme que sagrou os 50 anos de James Bond.
Meio século… Nunca um franquia cinematográfica se mostrou tão longa e tão fiel às suas principais características. Basta pegar qualquer um dos 23 filmes da série e esperar pela música tema, pelas Bond Girls, pelos carrões, pelos vilões bizarros, pelo tema clássico, pelas bugigangas tecnológicas, pelas complexas e inventivas cenas de ação, pelo momento em que Bond atira em direção ao espectador, ou por aquele em que ele vai pedir um “Vodka Martini mexido, mas não batido” ou então proferir a frase “Meu nome é Bond. James Bond”.
Há de se bater palmas para uma série que nunca traiu esses elementos em prol de se “modernizar”. Desde 007 Contra o Satânico Dr.No até o presente, essas peculiaridades sempre foram uma constante. Independente da temática: seja ela “panteras negras”, “samurais”, “explorações espaciais” ou “vingança contra cartéis mexicanos”.
Esse caráter quase anacrônico da série sempre trouxe um grande revés: o perigo dela ficar datada com o tempo. Entretanto, para a nossa felicidade, a série sempre conseguiu se adaptar, fosse no contexto narrativo (trazendo situações da época) ou de linguagem (como a vibe anos noventa dos filmes de Brosnan). Porém, nos 2000 – uma década depois do fim da União Soviética chegou o momento em que não havia mais como se adaptar: não eram as histórias que estavam ficando datadas, mas o próprio conceito do personagem James Bond, um agente típico do período da Guerra Fira.
Como, em pleno século XXI, enquanto pessoas matam milhares com um clique de um mouse, justificar um agente cujas habilidades se resumem ao trabalho de campo? Quem precisa de espiões quando se tem hackers? 007 – Operação Skyfall nos traz a resposta de forma bem clara: A humanidade sempre vai precisar de alguém pra puxar o gatilho da arma.
Dessa forma Sam Mendes, junto com os roteiristas habituais da franquia, reformula o personagem dentre de um novo panorama mundial – onde tudo acontece na Internet (não a toa é a expertise de Silva, o vilão da película) e não há mais uma divisão geopolítica que permita organizações como a S.P.E.C.T.R.E. existirem. Os inimigos hoje não precisam se centralizar – ter uma sede ou um líder. Saber em quem exercer a “permissão para matar” é algo muito mais complexo hoje do que era nos tempos de Connery e Moore.
Para nos mostrar esse dilema, 007 – Operação Skyfall acerta na mosc, ao usar uma história de vingança pessoal para motivar a narrativa. Difícil imaginar forma melhor de reformular um personagem, do que obriga-lo a olhar para o seu passado. Assim, ao perceber que Silva (Javier Bardem, fazendo possivelmente o melhor vilão de toda a franquia), um ex-agente do MI6, abandonado por M (Judy Dench), é um possível espelho do futuro de Bond, nos questionamos sobre o real sentido do próprio trabalho de um 007. Em Skyfall a “permissão para matar” perde seu status mítico, intocável, e é vista como parte de um sistema político arcaico que luta para tentar provar sua eficiência.
Todo esse debate faz parte da modernização da franquia. O público de hoje não aceita mais um agente que toma tiros e sai caminhando por ai a fora. Pelo contrário, precisamos ver sua fragilidade – assim como vemos os problemas psicológicos de Capitão Nascimento em Tropa de Elite, em Skyfall somos apresentados a um homem envelhecido e endurecido pelo seu trabalho, trabalho esse que questionamos a cada minuto. Um homem que não está fisicamente e nem psicologicamente preparado para exercê-lo. Mas sobretudo, um homem de confiança – incorruptível. E isso (e uma pequena dose de sanidade) é o que diferencia Bond do vilão de cabelos pintados.
A história – uma das mais bem arquitetadas de toda a franquia – também introduz diversos personagens clássicos da série que ainda não haviam parecido desde o reboot em Cassino Royale. E mais importante: nos dá uma ideia do que foi a infância de Bond, revelando informações que nunca haviam sido mostradas em um filme do agente.
Como se não bastasse uma boa história e excelentes atuações (o trio Craig, Dench e Bardem estão fantásticos), o filme também apresenta um esmero técnico que poucas vezes foi vista na série. Uma montagem frenética (que consegue fazer com que não sintamos as mais de duas horas de filme) que, devido a precisa direção de Sam Mendes, nos dá tempo de localizar os personagens e compreender o que está acontecendo nas cenas de ação
Porém, o atributo que mais se destaca é a irretocável fotografia de Roger Deakins. Fotógrafo habitual dos filmes dos Irmãos Coen, Deakins ilumina cenas completamente memoráveis. Para citar algumas: a entrada de Bond no cassino oriental em meio a diversas velas flutuantes, a atmosfera amarelada do casarão em chamas e a maravilhosa luta entre duas silhuetas em frente a um painel de LED.
A cereja no topo do bolo é a canção de Adele que, por mais que enjoe depois de ser ouvida pela centésima vez nos rádios, é incrível, e nos remete aos tempos clássicos de grandes cantoras por trás do tema da série.
Enfim, poderia ficar horas citando os triunfos técnicos e narrativos de 007 – Operação Skyfall, mas posso sintetizar de uma forma bem simples. O último filme da franquia também se trata de seu auge.
Skyfall é o melhor filme da franquia.
Não só por seus próprios méritos como filme, mas também por provar ao mundo que é possível reformular um personagem como James Bond sem trair suas principais marcas. Skyfall, mais do que tudo, mostrou que a série mais duradoura da história do cinema ainda terá fôlego para, quem sabe, se tornar centenária. E em boa forma.
BEM NA FITA:
Possivelmente o melhor filme da franquia;
Possivelmente o melhor vilão da franquia;
Um dos melhores temas de toda a franquia;
A apresentação de diversos personagens clássicos da franquia;
Todo o background nunca antes mostrado de Bond;
A direção empolgante e refinada de Sam Mendes;
Montagem rápida porém elegante de Stuart Baird (o mesmo de Cassino Royale);
A fotografia espetacular de Roger Deakins;
O foco na relação entre M e Bond;
O filme pavimenta todo o caminho para o personagem nas próximas décadas
QUEIMOU O FILME:
A quase inexistência de uma Bond Girl
FICHA TÉCNICA:
Diretor: Sam Mendes
Elenco: Daniel Craig, Judy Dench, Javier Bardem, Ralph Fiennes, Naomi Harris e Albert Finney
Produção: Barbara Broccoli
Roteiro: Neal Purvis, Robert Wade e John Loggan
Fotografia: Roger Deakins
Montador: Stuart Baird