CRÍTICA | ‘O Processo’ é a primeira obra a apresentar de maneira mais honesta os fatos e contextos da temática que propôs abordar
Larissa Bello
*Texto publicado originalmente no blog parceiro CINE EM FOCO
Na noite de 12 de maio (sábado), o Cine Teatro São Luiz, no centro de Fortaleza, teve lotação esgotada dos seus 1.050 lugares para receber a pré-estreia do filme O Processo, que contou com a presença da diretora Maria Augusta Ramos para um debate pós-sessão.
As sessões de exibição do documentário dentro e fora do país vêm sendo recebidas com enorme comoção. Maria Augusta acompanhou todo o processo do golpe de 2014 que resultou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Foram mais de 400 horas de material filmado e a excelente edição, que ficou por conta da montadora Karen Akerman, levou seis meses.
Logo na primeira cena, vemos uma tomada aérea do Congresso Nacional, onde de um lado há uma multidão de roupas e bandeiras vermelhas, e do outro a multidão de verde e amarelo, com bandeiras do Brasil. Esta imagem de abertura funciona como um prólogo dos acontecimentos que virão. Antes de cada nova cena, uma cartela aparece com um texto explicando todo o passo a passo e os motivos dos quais levaram ao processo de afastamento de Dilma Roussef. Assim o ritmo da produção vai sendo construído numa espécie de capítulos, como se estivéssemos lendo/vendo um livro de história da maneira mais ilustrativa possível. Fica claro que Maria Augusta deseja que o espectador tome conhecimento, de uma maneira mais aprofundada, e quase didática, como se deu todo andamento e organização que culminou na destituição da presidenta do país.
O Processo opta pelo enfoque somente no Senado Federal e, como a própria diretora diz, delimita alguns personagens: No lado da defesa, temos a senadora pelo Paraná, Gleisi Hoffman, o senador do Rio de Janeiro, Lindbergh Farias, juntamente com o advogado José Eduardo Cardoso. No lado da acusação, temos a advogada Janaína Paschoal. Maria Augusta explica que ela conseguiu obter mais acesso para filmar a defesa do que a acusação. Lamenta não ter obtido permissão para filmar as reuniões de estratégia da acusação da mesma forma que conseguiu com a defesa. Porém, mesmo que a parte da acusação fique apenas à Janaína Paschoal, esta já vale por todos juntos, dada a personalidade completamente desvairada desta advogada. A diretora conseguiu captar verdadeiras pérolas do comportamento da Janaína, como, por exemplo, seus alongamentos antes de fazer o discurso, que soa quase como uma pregação evangélica ou o impagável momento que ela está tomando um Toddynho.
Um outro personagem curioso e extremamente importante dentro da narrativa proposta pela diretora, é a mídia. Ela sempre está presente em todos os momentos dos acontecimentos do filme. São câmeras, jornalistas nacionais e internacionais, coletivas e entrevistas. Maria Augusta mostra o aparato midiático como coadjuvante de um momento específico do país. Isso nos faz pensar no contraponto da linguagem jornalística de TV versus a cinematográfica, no caso filmes do gênero documentário. Uma vez que ambas buscam, dentro de uma conceituação simplista e genérica, o compromisso de mostrar a verdade de uma realidade, ou uma verdade da realidade. Dentre as inúmeras diferenças, a principal talvez esteja nos interesses por trás desses dois veículos.
Durante o debate, após a exibição, Maria Augusta foi indagada sobre como se deu o procedimento de negociação com os políticos para que pudesse filma-los. Ela responde de forma enfática que não houve nenhum tipo de negociação e que não negociou com ninguém, nem de direita, nem de esquerda. Solicitou a todos que foram filmados que assinassem um documento de autorização de imagem e se respaldou para que eles não pudessem, posteriormente, reclamar ou acusá-la sobre o material adquirido. Tal postura da diretora torna ainda mais compreensível o fato dela optar em não creditar os políticos que aparecem no longa, nem os partidos os quais cada um é afiliado.
Maria Augusta conta ainda que estava na França quando soube o que estava prestes a acontecer no Brasil. Ela resolve então ir imediatamente para Brasília e formar uma equipe de filmagem. Relata que a produção foi bancada inicialmente com recursos próprios, já que os acontecimentos estavam em andamento e não poderia esperar todos os processos burocráticos para angariar recursos financeiros. Sentia que era um compromisso ético e, por isso, precisava começar as filmagens o quanto antes. E, provavelmente, seria quase inviável conseguir apoio junto aos órgãos federais para produzir um documentário sobre o próprio governo, em um momento tão crítico como aquele. Somente depois foi que conseguiu apoio do The World Cinema Fund, do Festival de Berlim (trata-se de uma cooperação entre o Setor Federal de Cultura Alemã com o Instituto Goethe que oferecem apoio financeiro a produções cinematográficas de outros países), e também do Canal Brasil que entrou como co-produtor.
A diretora não nega que o seu documentário, assim como todo filme deste gênero, é um olhar subjetivo de uma determinada realidade. Principalmente no momento da edição desse material, onde são feitas escolhas sobre aquilo que fica e aquilo que sai. Ao se tomar tais decisões, elas estão intrinsecamente ligadas a questões de responsabilidade ética e estética. Depois de um longa de ficção e uma série, também de ficção, pode-se dizer que O Processo é o primeiro filme a apresentar de uma maneira mais honesta os fatos e contextos que envolveram a temática na qual se propôs abordar.
::: TRAILER
::: FOTOS
::: FICHA TÉCNICA
Título original: O Processo
Direção: Maria Augusta Ramos
Roteiro: Maria Augusta Ramos
Distribuição: Vitrine Filmes
Data de estreia: qui, 17/05/18
País: Brasil, Alemanha
Gênero: documentário
Ano de produção: 2017
Classificação: Livre
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