CRÍTICA #2 | ‘Ilha dos Cachorros’ realça o problema de comunicação existente no mundo atual

Giovanna Landucci

Após o sucesso de “O Fantástico Sr. Raposo”, indicado ao Oscar de Melhor Longa de Animação e Melhor Roteiro Original, em 2010, muita gente se perguntava quando o cineasta Wes Anderson realizaria um novo filme utilizando a técnica stop motion (filmagem quadro a quadro com modelos reais). Demorou, mas valeu a pena, pois Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs), obra que abriu o 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, chega às salas de cinema aclamado pela crítica e aplaudido mundo afora pelo público.

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Do jeito que o realizador gosta, o filme tem, propositalmente, uma crítica social embutida em sua história. Embalada pelo som dos taikôs (os belos tambores japoneses), a trama começa com uma velha lenda oriental que serve para explicar o que está por vir. Na fictícia cidade de Megasaki, um governante autoritário se volta contra cães indefesos por puro ódio. Com uma intensa campanha de difamação, ele convence a maioria do povo de que tê-los em casa, como animais de estimação ou de proteção, é perigoso. Os cachorros são impuros e precisam ser excluídos do convívio humano, linchados e, até mesmo, exterminados.

De fato, os simpáticos animaizinhos possuem uma doença contagiosa, uma espécie de gripe canina. No entanto, logo, a ciência comprova que não existe ameaça alguma e que, inclusive, seria possível produzir um soro para curar tal enfermidade. Contudo, como a lavagem cerebral foi bem-sucedida, o ódio acaba sendo maior do que a razão e a constatação dos fatos.

Vocês conhecem uma história parecida? Se trocarmos os cachorros por pessoas, por etnias ou por qualquer definição de minoria, esta bem poderia ser uma descrição das variadas políticas de exclusão social realizadas pelo nazismo ou outros regimes totalitários ao longo da história, gerando guerras e conflitos armados. Certo? Sim, e esta é a crítica embutida no cerne de uma bela obra cinematográfica, sem esconder suas evidentes metáforas e analogias.

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Anteriormente, Wes Anderson vinha tratando de temas leves e pouco instigantes como a vaidade e o luxo, em “O Grande Hotel Budapeste” (2013), ou a ingenuidade, em “Moonrise Kingdom” (2012). Aqui, temos uma virada com a abordagem de temáticas mais pesadas: ditaduras, campos de concentração e a pseudociência a serviço dos tiranos. Os traços autorais do diretor, enfim, tornaram-se verdadeiramente interessantes.

Com uma linguagem nada infantil, apesar de se tratar de uma animação, elementos da cultura japonesa como o teatro kabuki, os haicais e o sumô são subvertidos ao invés de apenas replicarem o que possuem de mais lúdico. Desta forma, eles acabam gerando um apelo maior para a história que também reflete um pouco do medo em relação ao destino da humanidade se não houver mais tolerância. Ao vislumbrar este futuro sombrio, o filme dialoga com previsões futuristas que estamos acostumados a ver em “Os Simpsons”, “Rick and Morty” ou “South Park”.

Com uma trilha sonora discreta e uma câmera que se move pouco, o foco está nos protagonistas caninos que acabam exilados numa ilha repleta de lixo. Com isto, o longa desempenha um trabalho eficaz ao dividir esses cães renegados em castas e mostrar como a barbárie afeta mesmo os mais civilizados, criando um paralelo com o comportamento humano. O problema é que Wes Anderson não conseguiu desenvolver satisfatoriamente todos os seus cachorros. Em um dado momento importante da narrativa, Rex (Edward Norton), King (Bob Balaban), Chefe (Bill Murray) e Duke (Jeff Goldblum) são esquecidos por não se ter muito o que fazer com eles. Do mesmo modo, as cachorrinhas Oráculo (Tlda Swinton) e Noz Moscada (Scarlett Johansson) mereciam um espaço maior, talvez, para dar voz ao empoderamento feminino.

Entretanto, Ilha dos Cachorros não é feita apenas de simpáticos animais de estimação. Há, ainda, os homens. O jovem Atari (Koyu Rankin), de 12 anos, sobrinho do autoritário governante de Megasaki, se revolta com a decisão do tio de exilar os cães e vai atrás do seu fiel companheiro canino, Spots (Liev Schreiber), o primeiro bichinho exilado. A ele, nesta empreitada, junta-se uma estudante de intercâmbio e ativista social, Tracy Walker (Greta Gerwig). É ela quem desconfia que por detrás de toda esta história existe uma grande conspiração. Sua atitude é não desistir jamais e procurar os cientistas para entender o que está acontecendo. Definitivamente, as crianças parecem ter mais juízo do que os adultos.

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Entre os aspectos a serem enaltecidos estão a forma como todos conversam olhando para a câmera, criando profundidades diferentes que remetem aos dramas dos anos 40 e 50; a escolha de cores em tons pastéis que, especificamente, nas partes envolvendo o ditador nos fazem lembrar de velhos jornais; e o espetacular jogo de luz e sombras. Contudo, nada é mais inventivo do que a decisão de colocar os personagens japoneses falando no seu idioma natal, sem legendas, e, somente quando necessário, traduzir estas falas com uma voz robótica. A opção por uma modulação desprovida de vida e calor humano é mais uma opção inteligente de Wes Anderson, que realça o problema de comunicação existente no mundo atual. Afinal, muitos conflitos só acontecem porque as pessoas simplesmente não conseguem falar a mesma língua.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Isle of Dogs
Direção: Wes Anderson
Vozes originais: Greta Gerwig, Bill Murray, Yoko Ono, Scarlett Johansson, Edward Norton, Jeff Goldblum, F. Murray Abraham, Bob Balaban, Tilda Swinton, Akira Takayama, Koyu Rankin, Frances McDormand, Bryan Cranston, Liev Schreiber, Kunichi Nomura, Akira Ito, Courtney B. Vance
Distribuição: Fox
Data de estreia: qui, 19/07/18
País: Estados Unidos
Gênero: animação
Ano de produção: 2018
Classificação: 12 anos

Giovanna Landucci

Publicitaria de formação, sempre gostei de escrever. Apaixonada por filmes e séries, sim, posso ser considerada seriemaníaca, pois o que eu mais gosto de fazer é maratonar! Sou geek principalmente quando falamos de Marvel e DC. Ariana incontestável, acho que essa citação de Clarice Lispector me define "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania. Depende de quando e como você me vê passar." Ah, como é de se notar pela citação, gosto de livros e poesia também.
NAN