CRÍTICA | ‘Hilda Hilst pede contato’ mostra angústia de autora durante busca pela compreensão da finitude

Aline Khouri

Desde o início, fios de fitas de gravação são contínuos no filme Hilda Hilst pede contato. Na narrativa dirigida por Gabriela Greeb, eles assumem um papel de protagonismo que se entrelaça com os depoimentos dos amigos íntimos da escritora e com outras construções poéticas. Difusos, marcantes e persistentes, estes fios ganham uma amplitude ainda maior ao simbolizar as tentativas, por vezes angustiantes, da autora brasileira – homenageada na Flip deste ano – de se comunicar com os mortos.

CRÍTICA | ‘Os Incontestáveis’ acaba pagando pela sua ousadia

Em uma visita à Casa do Sol, chácara onde Hilda morou em Campinas (SP), Gabriela teve contato com as fitas, gravadas entre 1974 e 1979, embaladas dentro de uma caixa e que mostravam o desejo saber o que ocorria após a chegada da indesejada das gentes, como diria Manuel Bandeira. Ela enxergou ali um universo e a possibilidade de fazer um filme amparado nele. O material era abundante: 50 rolos de super 8 e mais de 100 horas de gravações da poetisa que seguiu os experimentos feitos pelo cientista sueco Friedrich Jurgenson, considerado por muitos o pai da EVP, Eletronic Voice Phenomenon. Ao tentar dialogar com o além, Hilda pede para falar com figuras conhecidas como a autora Clarice Lispector, o jornalista Vladmir Herzog e a atriz Cacilda Becker.

CRÍTICA | ‘Lámen Shop’ mostra o que uma rixa que atravessa gerações pode causar

Além de usar a comunicação eletromagnética para empreender a própria investigação sobre a finitude, ela quer saber como está Clarice e diz querer ajudar as pessoas a lidarem com a morte. “Ela não quer uma imagem, um fantasma. Ela quer uma voz e isso acaba se tornando uma metáfora: ela queria ter uma voz que fosse ouvida tanto quanto queria ouvir vozes. Hilda queria contato”, diz Gabriela.

CRÍTICA | ‘O Nome da Morte’ é uma obra eletrizante. Ou quase isso

Após quase sete anos de pesquisa, o filme foi gravado em 10 dias na Casa do Sol e seu eixo condutor é um jantar póstumo do qual participam amigos, conhecidos e amantes da autora. Eles conversam sobre suas reminiscências e ressaltam como ela possuía uma personalidade vivaz e irreverente. Nesses momentos, faz falta a identificação das pessoas mostradas embora os nomes apareçam nos créditos. O jantar remonta a um dos sentidos da Casa do Sol, que também é sede do Instituto Hilda Hilst. O local funcionava também como um espaço de encontros entre amigos, artistas e intelectuais. Nomes como Caio Fernando Abreu e Lygia Fagundes Telles foram apenas alguns dos que passaram por ali e que contribuíram para a perpetuação da atmosfera criativa e inspiradora do espaço.

CRÍTICA | ‘Custódia’, quando a criança se torna a vítima maior e refém dos pais

Outro recurso utilizado é a interpretação da personagem da escritora feita pela atriz Luciana Domschke, que também recita trechos de cartas, diários e entrevistas de Hilda Hilst. Essa mistura de gêneros narrativos faz com que Hilda Hilst pede contato não se trate apenas de um documentário e auxilia no retrato da poetisa que é muitas vezes descrita como hermética. Gabriela também produziu um livro homônimo para completar o que é mostrado na tela. A obra lançada pela Sesi Editora possui a transcrição das entrevistas e aborda como foi o processo de realização do filme, além de trazer seu storyboard.

CRÍTICA | A violência da indiferença se faz presente em ‘Cachorros’

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Distribuição: Imovision
Direção: Gabriela Greeb
Roteiro: Gabriela Greeb
Elenco: Luciana Inês Domschke
Produção: HOMEMADEFILMS
Fotografia: Rui Poças
Data de estreia: qui, 02/08/18
País: Brasil
Gênero: biografia / documentário
Ano de produção: 2018
Duração: 73 minutos
Classificação: 12 anos

Aline Khouri

Jornalista, com especialização em Cultura. Adora ler e escrever sobre pessoas e assuntos culturais, especialmente Literatura, Cinema e Teatro.
NAN