EXCLUSIVO | “Filme nos leva a refletir sobre a volta do autoritarismo”, diz produtora do aclamado ‘A Outra História do Mundo’

Wilson Spiler

Aclamada pela crítica nacional e internacional, a coprodução Brasil/Uruguai/Argentina e premiada como melhor filme em coprodução internacional no 13º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, A Outra História do Mundo (Otra História del Mundo) é produzida por Isabel Martinez (Três Mundos Produções), dirigida por Guillermo Casanova e protagonizada por César Troncoso. Lançado em 2 de agosto nos cinemas brasileiros, o filme segue em cartaz nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Belo Horizonte, Niterói, Porto Alegre, Recife e Florianópolis.

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Indicada aos Prêmios Goya e Ariel de Melhor Filme Ibero-Americano, a comédia relata a história de uma pequena cidade que vive os duros reflexos da ditadura, quando dois amigos – Milo e Esnal – resolvem zombar do irritado coronel local sequestrando seu bem mais precioso: a coleção de anões de jardim. A aventura dá errado e as consequências são cruéis para a dupla: Milo desaparece sem deixar rastros, enquanto Esnal sofre isolado. Essa trama, no entanto, pode tomar outra direção depois que as filhas de Milo, desesperadas por notícias do pai, saem em busca de seu antigo amigo suplicando por ajuda. Com a intenção de resgatar da prisão seu amigo, Esnal retoma sua carreira de professor e consegue unir os habitantes do município de Mosquitos, que estava perdido no tempo. Trata-se de uma história de resistência e coragem contra os tempos obscuros e opressores, algo que não queremos ver nunca mais.

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Para falarmos um pouco mais sobre A Outra História do Mundo, entrevistamos a produtora responsável pela Três Mundos Produções, Isabel Martinez. Nascida na Costa Rica, mudou-se para a Nicarágua na adolescência, país onde iniciou precocemente sua carreira dirigindo seu primeiro filme com apenas 17 anos de idade: “Summer Proposal”, um documentário para Oxfam Canada que lhe abriu caminho estudar cinema no CCC – Centro de Capacitación Cinematográfica no México e na conceituada Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de lo Baños. “Soy Cuba, o Mamute Siberiano” (seu primeiro longa documental, selecionado para os festivais IDFA, Sundance, Guadalajara e premiado como Melhor Documentário no Festival de Gramado no Brasil), “O Estado do Mundo” (selecionado pela Quinzena de Realizadores do Festival de Cinema de Cannes 2007) e “A Estrada 47”, de 2014, uma coprodução entre Brasil, Itália e Portugal, a primeira ficção sobre a participação dos soldados brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial e filmada inteiramente na Itália (longa vendido para mais de quinze países e premiado como Melhor Filme no Festival de Gramado e no Festival Cine Ceará) estão entre os destaques da carreira de Isabel. Vamos conhecê-la melhor?

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BLAH CULTURAL – Antes de começarmos, parabéns pela vitória no 13º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo. O filme é realmente muito bom e merecedor do prêmio. Qual a importância dessa conquista? 

Isabel Martinez – Um prêmio sempre é importante porque ajuda a carreira do filme. No caso de “A Melhor Coprodução Internacional” que conquistamos no Festival Latino-americano em São Paulo foi importante pelo próprio nome do prêmio. Ele valoriza o esforço das coproduções latino-americanas que possuem o grande mérito de não apenas viabilizarem financeiramente os filmes, como também, abrir novas perspectivas e mercados para o cinema brasileiro no continente.

O fato de ter sido rodado no Uruguai, ser uma história uruguaia e também, ao mesmo tempo, ser um filme brasileiro, é a prova que temos muitas possibilidades do nosso cinema abrir-se para o mundo intercambiando experiências. Para isso, os programas e acordos de coprodução que a ANCINE promove são fundamentais. Infelizmente, atualmente, esses programas estão sendo reduzidos, esperamos que seja só uma fase de transição e reestruturação das políticas para o cinema.

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Como nasceu a ideia de produzir o filme sobre a obra de Mario Delgado Aparaín? Era uma escolha pessoal?

Bem, quando eu cheguei no projeto a obra já estava adaptada, de tal maneira que eu me interessei a partir do roteiro e, sobretudo, de participar de uma produção que levaria o diretor Guillermo Casanova fazer seu segundo longa-metragem após 14 anos de seu exitoso e cativante “Él viaje hacia el mar” (veja o trailer abaixo).

Ao final das filmagens e pós-produção, havia a expectativa de receber prêmios por ele? Você tinha ideia de que tinha algo realmente bom em mãos?

Me esforço por pensar nos prêmios só na noite das premiações mesmo, do contrario é angustiante. Antes disso, que tudo seja trabalho e diversão!

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Como foi o processo da escolha do ótimo elenco? E a opção pelo Claudio Jaborandy, o excelente ator brasileiro que faz o dono do bar (aliás, a piada com o espanhol dele é hilária)? Cesar Troncoso no papel principal também foi outro alvo acertadíssimo…

Os atores principais, no caso Cesar Troncoso e Roberto Suarez, eles já tinham trabalhado com Guillermo Casanova em outros projetos anteriores, além de serem, junto com Nestor Guzzini, os maiores atores uruguaios do momento. Se bem que, no caso do Trancoso, nós o consideramos um brasileiro também, por todo seu trabalho realizado no Brasil para o cinema e a TV.

A escolha do Claudio Jaborandy foi diferente. Basicamente apresentei ao Guillermo várias possibilidades de escolha e ele optou pelo nosso Jaborandy, que, além de grande ator, sua fisionomia encaixava bem no que o diretor imaginou.

Apesar de se passar na década de 80, podemos dizer que ele retrata um momento atual? Afinal, vivemos um momento de intolerância no mundo, onde uma parcela da população pede pela volta de ditaduras militares e elege representantes com características cada vez mais fascistas.

Essa foi uma das intenções do diretor: se inspirar numa época de ditadura para falar do presente com uma perspectiva histórica.  Por outro lado, a minha impressão é que o público que está assistindo ao filme no Brasil fica satisfeito com o tom esperançoso do filme, no sentido que estamos passando por um momento de retrocesso político e de valores, e que poder enxergar no filme o nosso passado recente de ditaduras na América Latina nos leva a refletir sobre o que seria se voltarmos a ter governos autoritários na região.

O filme nos recorda, com tom de comédia, que a intolerância e a repressão às ideias humanistas podem acabar com nossa autoestima, porém, também pode nos fazer crescer, ainda que com dor, a nossa indignação. E é aí que o bicho pode pegar!

Como você vê o atual panorama do cinema uruguaio?

Em um país como Uruguai, onde as novas plataformas, o VOD e etc não se instalam por ser um mercado tão pequeno, as possibilidades de crescer são poucas, embora eu ache que o cinema de qualidade sempre pode ter um espaço. Eles têm boas histórias e excelentes profissionais.

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Muitos brasileiros se ressentem de nunca terem conquistado um Oscar. O Uruguai também não tem posse dessa estatueta, diferente dos vizinhos argentinos, que já conquistaram duas vezes (1986 e 2010). Há esse sentimento também de que é preciso esse prêmio para ter o seu cinema reconhecido?

Claro que um Oscar para uma produtora é algo maravilhoso e que permitiria abrir novas portas de trabalho e fazer outros filmes com maior facilidade. Mas não concordo que esse prêmio seja o único ou o melhor critério para avaliar uma cinematografia.

Wilson Spiler

Will, para os íntimos, é jornalista, fotógrafo (ou ao menos pensa que é) e brinca na seara do marketing. Diz que toca guitarra, mas sabe mesmo é levar um Legião Urbana no violão. Gosta de filmes “cult”, mas não dispensa um bom blockbuster de super-heróis. Finge que não é nerd.. só finge… Resumindo: um charlatão.
NAN