CRÍTICA #2 | Do humor ácido ao golpe final, ‘Infiltrado na Klan’ é um choque de realidade
Bruno Giacobbo
Em seus filmes ou em discussões acaloradas nos bastidores, Spike Lee sempre foi um diretor instigante, diferente. “Faça a Coisa Certa” (1989) é o hino de uma geração, a obra que mexeu com Barack Obama quando este era ainda um simples estudante de direito. Fora dos sets de filmagem, protagoniza há anos uma encardida rivalidade com Quentin Tarantino, o mais negro de todos os cineastas brancos de Hollywood. Lee o acusa de ser racista ao enfiar, sempre que possível, a palavra nigger (algo como crioulo, em português) em seus filmes. Tarantino, por sua vez, é defendido por vultos como Samuel L. Jackson. E por aí vai. No entanto, uma coisa os dois têm em comum. O fascínio pelo cinema blaxploitation, para quem não sabe, aquele movimento cinematográfico dos anos 70 feito por negros e para negros.
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Novo longa-metragem de Spike, Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman) é uma obra que bebe diretamente desta fonte. História real, o aviso é dado logo no início de uma forma bastante engraçada, acompanhamos Ron Stallworth (John David Washington, filho de Denzel), o primeiro policial negro da cidade de Colorado Springs. Filho de militar, ele rompe com o preconceito de brancos e negros e vai trabalhar como arquivista em uma delegacia local. Depois de um tempo, ele pede para ir à campo. Quer realizar missões que provem seu valor. E é aí que ele tem uma ideia. Ao ver um anúncio, no jornal, da Klu Klux Klan, Ron telefona se passando por um branco racista e consegue uma ‘entrevista de emprego’. Só que ele é negro. E aí? É assim que entra em cena o tira Flip Zimmermann (Adam Driver).
A película usa de um humor bastante ácido, durante a maior parte do tempo, para retratar como era difícil ser negro nos Estados Unidos. A hipocrisia também está na linha de tiro do diretor-autor. Com referências múltiplas, que vão do jogador de baseball Jackie Robinson ao cantor Sammy Davis Jr., Lee mostra que uma coisa era idolatrar estes homens (todos negros) em seus respectivos campos de atuações; outra, bem distinta, era conviver com eles. Desta forma, Ron Stallworth foi também um pioneiro. Se, por um lado, entrosou-se rapidamente com Flip, por outro, enfrentou o racismo de um colega de farda. E neste mergulho para esmiuçar estas questões, algumas cenas são brilhantes. Destaque para uma específica onde vemos grupos de brancos e negros, contrapostos, gritando ‘white power’ e ‘black power’.
Em sua reta final, Infiltrado na Klan faz uma pergunta que fora gestada lá no início e Spike Lee guardou para o finalzinho: “Muitos anos após a marcha de Martin Luther King e o gesto simbólico de Rosa Parks, alguma coisa mudou?” A resposta não é simples, pois se os Estados Unidos já tiveram um presidente negro e, hoje, homens de múltiplas cores podem dividir o mesmo ônibus, o racismo ainda é um ovo de serpente que continua a chocar. E os minutos finais, as imagens derradeiras, são um soco na boca do estômago desferido com a virulência de um Muhammad Ali. Funciona e contrasta com o clima de leveza que, até aqui, reinava. Acordamos, assim, para realidade e a sentimos tangível do nosso lado. O único senão é que talvez tenha faltado um gatilho mais eficaz para deflagrar tudo isto, uma ou duas chances desperdiçadas pelo diretor de inserir um plot twist que daria a dramaticidade definitiva. Veja os horários de exibição no Festival do Rio.
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Desliguem os celulares e excelente diversão.