“O que mais me atrai é o comportamento humano”, afirma Gaspar Noé, diretor de ‘Climax’
Renata Teófilo
O diretor argentino Gaspar Noé esteve em São Paulo nesta terça, 29/01, para uma entrevista coletiva sobre seu novo filme Climax, que estreia nesta quinta, dia 31 de janeiro.
Leia mais:
– CRÍTICA | ‘CLIMAX’
– SEQUÊNCIA DE ‘QUATRO VIDAS DE UM CACHORRO’ GANHA TRAILER: VEJA!
– RECORDE! ‘AQUAMAN’ SE TORNA A MAIOR BILHETERIA DA WARNER NA HISTÓRIA DO PAÍS
Como em todos os filmes do diretor, em Climax, o terror também está presente, mas não numa forma sobrenatural, e sim por causa das ações humanas.
– O que mais me atrai na realização de um filme é o comportamento humano, afirmou Noé.
O filme acompanha um grupo de jovens bailarinos que foram recrutados para participar de um espetáculo de dança e que estão reunidos numa noite em um salão para ensaiar e festejar. Porém, o que deveria ser uma celebração entre colegas, acaba virando um pesadelo inimaginável. O cineasta se inspirou em um evento real acontecido em 1996, em Paris, porém fez questão de pegar apenas a ideia de algo ruim acontecendo com várias pessoas em um mesmo ambiente e, até mesmo por questões legais, o longa não é uma narração fiel do que teria acontecido naquela noite.
A maioria dos atores não é profissional, sendo muitos bailarinos vindos dos subúrbios de Paris.
– Fiz questão de não ter nenhuma preferência quanto ao gênero, cor da pele ou orientação sexual. Queria apenas que eles fossem bons dançarinos, contou o diretor.
Os escolhidos têm de 18 a 23 anos e, segundo o cineasta, representam bem a juventude parisiense. Um dos bailarinos foi trazido da África por suas habilidades contorcionistas. Outros são exímios na arte do vogue. Noé falou ainda que preferiu filmar com dançarinos porque havia mais possibilidades de mostrar uma histeria coletiva usando passos de dança variados.
Climax levou 4 meses e meio entre a criação do roteiro, as filmagens e pós-produção. Gaspar descreveu as filmagens como muito tranquilas, sem brigas entre o elenco e que tudo foi muito colaborativo e improvisado pelos jovens.
– Dois atores que foram irmãos na história foram mais longe ainda e me sugeriram que pudessem ter uma relação incestuosa. Também não estava certo quanto ao final do filme e os próprios atores me deram boas sugestões, prontamente adicionadas, afirmou o diretor.
O impacto visual de Climax faz com que o público se sinta como se estivesse vivenciando o que cada um dos personagens está passando. A colaboração de Gaspar com o diretor de fotografia Benoît Debie, que acontece desde o filme “Irreversível”, de 2002, traz marcas importantes do diretor como a utilização de cores muito fortes, principalmente o vermelho, sombras escuras, travellings, movimentos de câmera ao contrário e, aqui, esses recursos causam um efeito sufocante e desconfortável.
– Sinto-me muito à vontade trabalhando com Benoît, pois ele é uma pessoa afável e muito bem-humorada, mesmo quando estamos filmando cenas mais complicadas, quando eu gosto de operar a câmera, revelou Noé.
Outra marca registrada do diretor que se vê nesse filme são os títulos. Legendas que comumente aparecem apenas ao final aparecem no começo e até mesmo no meio da narrativa.
Me divirto muito fazendo essas intervenções, para que o público não se esqueça de que está vendo um filme, explicou Gaspar.
Em Climax, o diretor enche a tela de citações que tem uma ligação profunda com o que está sendo mostrado. As músicas são mais um ingrediente para criar a atmosfera de psicose para o espectador. O cineasta conta que as canções foram todas escolhidas antes e tocadas durante as filmagens para que os atores não perdessem a sincronia com as batidas, mesmo que depois ele manipulasse aquele áudio de algum jeito. As músicas variam de synth pops dos anos 80 até a house music dos anos 90 e o desfecho apresenta uma versão instrumental da música “Angie” dos Rolling Stones.
Quando Climax foi selecionado para ser exibido em Cannes, o elenco todo quis participar da première com muito orgulho, os rapazes de smokings e as meninas com lindos vestidos de gala comprados apenas para a ocasião. Gaspar Noé revelou ainda, com bom humor, que, mesmo que os atores gostem de trabalhar em seus filmes, como no caso desse elenco, eles preferem que suas famílias não vejam o longa, por causa dos temas pesados que ele retrata.
Como inspiração, o diretor cita o filme do diretor Peter Brook, “Projeto Brainstorm”, uma ficção científica do começo dos anos 80 quase esquecida, mas que trata de pesquisas sobre o cérebro e sua reação na hora da morte, filmes-catástrofe dos anos 70 e “Um Cão Andaluz”, de Luiz Buñuel, ao qual costuma dizer que é seu filme favorito.
Climax pode ser considerado como o registro de uma bad trip lisérgica coletiva. Apesar de já ter declarado que usou drogas em sua juventude e ter retratado o consumo de drogas em seus trabalhos anteriores, o diretor Gaspar Noé diz que sua droga de escolha é somente o cinema.