BAÚ DO BLAH! | ‘Vingadores: Ultimato’ (2019)
Bruno Giacobbo
Tiro, porrada e bomba! Eu sei que muitas pessoas vão estranhar o fato de eu escrever sobre Vingadores: Ultimato (Avengers: Endgame) para o BAÚ DO BLAH! e, ciente disto, estou preparado para levar bordoadas, assim como… Ops! Ia soltar um spoiler, então, antes de qualquer coisa, quero deixar claro que este texto terá muitos spoilers. Voltando, estou pronto para ter as minhas razões questionadas e o primeiro a fazer isto foi o meu editor Wilson Spiler. Quando lancei a ideia de uma obra tão recente (ela ainda está em cartaz), ele me respondeu dizendo que este é um espaço para filmes antigos. Certo e errado, retruquei. Na verdade, esta é uma coluna sobre clássicos e, principalmente, películas que, segundo o consenso geral, são boas. Com raríssimas exceções, um clássico não é ruim. A menos, claro, que seja bastante ruim. Por exemplo: ao ganhar a fama de pior filme já realizado, “The Room” (2003), do infame Tommy Wiseau, acabou se tornando um clássico. De resto, clássicos são invariavelmente bons. Longas antigos apenas ruins não cabem aqui.
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Dirimida a questão da antiguidade como condição sine qua non, o questionamento seguinte é se o longa-metragem dirigido pelos irmãos Anthony e Joe Russo é bom o suficiente para, um dia, ganhar os status de clássico. E aí eu pergunto para vocês leitores: “O que faz um filme ser considerado bom ou ruim”? Objetivamente, um filme bom é aquele que é bem dirigido, que possui boas atuações, que tem um roteiro que sabe qual é a história que deseja contar e a conta de forma que sua mensagem seja compreendida… E por aí vai. Acontece que a objetividade de uma avaliação baseada em quesitos técnicos é perpassada pela subjetividade do gosto e da visão que as pessoas têm da Sétima Arte. Não é todo mundo que gosta de blockbusters, assim como não é todo mundo que curte o cinema iraniano. O público comum pode se dar ao luxo de, peremptoriamente, não ver algumas coisas. Críticos não. Estes deveriam ver tudo e deixar de lado suas preferencias na hora analisar uma obra. E é perseguindo este ideal de conduta crítica que vou mostrar que não sou tão louco quanto Thanos (Josh Brolin).
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Recentemente, no meu texto sobre “O Show de Truman” (1999), eu me referi aos chamados filmes-eventos, produções que causaram algum tipo de comoção em suas épocas. E este é o caso do longa em questão. Em uma ideação e uma realização sem precedentes na história da Indústria de Hollywood, a Marvel Comics, uma editora de quadrinhos convertida em estúdio cinematográfico após flertar com a falência, levou para as telas os seus principais personagens: Capitão América, Homem de Ferro, Thor, Hulk… Em 11 anos, de 2008 a 2019, foram 22 filmes. Todos com arcos dramáticos completos. Histórias com princípio, meio e fim, mas que se interligam. Uma maneira encontrada pelo seu principal produtor, Kevin Feige, de fazer esta interligação foram as famosas cenas pós-créditos. A partir desta invenção passou a ser quase impossível deixar a sala correndo para ir ao banheiro. Perder a última cena é perder a conexão com o próximo filme. A aventura iniciada com o “Homem de Ferro” (2008), enfim, chegou ao seu desfecho. Será que dá para entender o nível de comoção?
Quanto maior a expectativa, maior a decepção se todos os anseios e os desejos do público não forem devidamente atendidos. Após o triunfo do Titã Louco, um dos apelidos de Thanos, os espectadores queriam saber como os heróis fariam para se vingar e reverter a morte de metade da humanidade. O trabalho dos roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely, com certeza, seria uma das coisas mais observadas e fiscalizadas pelos fãs. São 3h01 de filme e, ao contrário do que muita gente poderia imaginar, apenas uma pequena parte, talvez um terço, é dedicada a luta final, a batalha que irá decidir o destino do universo. O restante é inteiramente voltado para uma construção de situações que passam, obrigatoriamente, primeiro, por uma dor lancinante, vivenciada pelos sobreviventes nos dias que se seguiram aos acontecimentos de “Vingadores: Guerra Infinita” (2018) e, cinco anos mais tarde, pela interiorização desta mesma dor e a cicatrização dos traumas causados por ela. E aí é bem interessante perceber como cada um destes heróis, outrora altivos e quase intocáveis, reagiu.
Com a disciplina de um soldado, o Capitão América (Chris Evans) é quem parece mais inteiro. Tanto quando recebe um Homem de Ferro (Robert Downey Jr) magro, desnutrido e totalmente aquebrantado pelo tempo que passou perdido no espaço, ao lado de Nebulosa (Karen Gillan), após ser resgatado pela Capitã Marvel (Brie Larson), quanto posteriormente, atuando como o orientador de uma espécie de AA dos sobreviventes da chacina de Thanos. Hulk (Mark Ruffalo), totalmente mudado, mesclando a força do monstro verde com a inteligência de Bruce Banner, ou seja, sem precisar se transformar e se destransformar, também parece ter seguido em frente. E o mesmo pode-se dizer de Máquina de Combate (Don Cheadle) e de Rocket (Bradley Cooper). Até Tony Stark, passada a raiva inicial de ter visto o Homem-Aranha (Tom Holland) morrer, está bem, casado com Pepper Potts (Gwyneth Paltrow) e pai de uma menininha. Todos estão muito tristes, mas, aparentemente, conformados por pura falta de opção.
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Este não é o caso de outros personagens. A Viúva Negra segue enfurnada na base do Vingadores, falando com aqueles que estão espalhados por aí, Okoye (Danai Gurira), Rocket, Máquina de Combate, Capitã Marvel e Nebulosa, patrulhando e buscando sabe se lá o quê. No entanto, quando recebe a visita de Steve Rogers desaba. A conversa entres eles faz toda a sua frustração emergir. Atriz carismática e talentosa, Scarlett Johansson tem aqui uma das melhores atuações de uma carreira marcada por certa irregularidade, onde alterna interpretações destacadas com outras mais apagadas. Na verdade, o que ela faz neste filme, a partir desta cena e culminando no arco dramático desenvolvido ao lado de Jeremy Renner, o Gavião Arqueiro, está no mesmo nível dos seus trabalhos nos longas “Encontros e Desencontros” (2003), “Sob a Pele” (2013) e da sua interpretação vocal no fantástico “Ela” (2013). Sua personagem, a ex-espiã russa Natasha Romanoff, começou coadjuvante, lá atrás, no longa “Homem de Ferro 2” (2010), e termina tão protagonista quanto qualquer outro, amada pelos fãs.
O Gavião Arqueiro é outro personagem que foi crescendo com o passar do filmes. Mesmo sem ter um longa para chamar de seu (a Viúva Negra vai ganhar um em breve), é Clint Barton que protagoniza a cena inicial de Vingadores: Ultimato. E que cena: ele vê sua família desaparecer, diante de seus olhos, no momento que Thanos estala os dedos. É quase impossível se recuperar de uma coisa destas. Revoltado, incorpora a identidade secreta de Ronin (também existente nos quadrinhos) e sai chacinando aqueles que, segundo ele, deveriam ter sido eliminados pelo Titã Louco. Neste momento, a única capaz de lhe devolver a sanidade é Natasha. Eles se reencontram nas ruas de uma Tóquio chuvosa e se despedem em Vormir, o domínio da morte, no centro da existência celestial, em um instante de despedaçar o coração. É o ápice deles, não só nesta obra, mas em todas as outras em que apareceram. Bastante se falou do clima construído (e nunca de fato concretizado) entre Banner e Romanoff. Contudo, este não supera o amor fraternal dos dois super-heróis mais humanos do grupo.
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Todavia, o personagem mais complexo é Thor (Chris Hemsworth), o mais orgulhoso de todos os heróis devido a sua condição divina. E é justamente por causa deste orgulho que, cinco depois, ele parece ser o mais destroçado pela culpa e pelo remorso de não ter conseguido matar Thanos quando teve a chance. Assim como o restante do universo, Asgard perdeu metade dos seus habitantes e teve que ser reconstruída. E nesta nova cidade, o que faz o Deus do Trovão? Enche a cara. O tempo inteiro. Barrigudo, visual à moda Jeffrey “The Dude” Lebowski (o protagonista de “O Grande Lebowski”, de 1998), ele é a imagem da depressão. A complexidade citada acima reside no fato de que mesmo arrasado, ele é o alívio cômico do filme, o responsável por aquela fagulha de humor que tanto diferencia a Marvel da DC. Uma vez arrastado de casa, são suas algumas das cenas mais engraçadas, quase sempre em parceria com Rocket. O roteiro conseguiu chamar a atenção para algo tão importante – a depressão – com uma boa dose de leveza que deixa tudo mais palatável.
Todos os caminhos levam à guerra. Não sei se alguém já proferiu esta frase, mas eu a imagino sendo dita por um general ou por um capitão, se este for igual ao Steve Rogers. As tais situações construídas com base na dor dos sobreviventes só precisavam de um empurrãozinho para que descambassem na batalha final. E isto vem quando, Scott Lang (Paul Rudd), o Homem-Formiga, reaparece. Se até aqui o filme era um drama azeitado, a partir deste instante ganha contornos de um épico portentoso. Em termos contemporâneos, pensando em superproduções, as cenas de guerra deste longa me remetem às batalhas de “Gladiador” (2000) e “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei” (2003), só que melhores, graças à evolução tecnológica. E quando o Capitão América se revela, para a alegria de Thor, digno de empunhar o mjolnir e o utiliza para atacar Thanos, percebemos que a luta entre Maximus Decimus e o imperador usurpador Commodus é coisa do passado. Para quem gosta de ação, este é o ápice desta produção e a prova de que blockbusters não precisam ser descerebrados, aprendeu, Michael Bay?
Ao longo destes 11 anos e 22 filmes, muitos foram os protagonistas, mas pensando em tudo como uma coisa só, se tivéssemos que apontar apenas um, este seria Robert Downey Jr. Outro dia, Joe Russo disse que o ator talvez mereça mais o Oscar do que qualquer um nos últimos 40 anos e justificou falando do trabalho de corpo acumulado em todos os filmes. Esta foi uma declaração apaixonada e exagerada, mas que não nos impede de reconhecer a excelência de um intérprete que, até assinar com a Marvel, estava acabado. Sua performance, principalmente no terço final, é de arrepiar, tanto pela entrega física destacada pelo diretor, quanto pelo aflorar de seu talento que não é novidade para quem já assistiu “Chaplin” (1992). Logo, não poderia ser outro a desferir o golpe final contra Thanos, o vilão que, brilhantemente vivido por Josh Brolin, suscita comparações com outros tipos maus como Darth Vader. Contudo, estas atuações são apenas a cereja do bolo de um elenco em estado de graça.
Lá no começo da saga, o fato do Capitão América não compreender referências, já que ficou quase 70 anos congelado, virou meme nas redes sociais. Ironia das ironias, Vingadores: Ultimato é um prato cheio para quem curte referências. Estas vão desde as mais óbvias, citações a filmes que abordam a questão da viagem no tempo como “O Exterminador do Futuro” (1984), “De Volta Para o Futuro” (1985), “Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica” (1989) e “A Ressaca” (2010), a outras menos explicitas. Quando Scott Lang retorna para casa, sua rua está deserta. Um garoto anda de bicicleta, ele tenta travar contato e é ignorado. No chão, folhas e lixo esparramado, sinal de que o caminhão da limpeza urbana não passa por ali há muito tempo. Eu olhei e pensei em vários filmes apocalípticos, porém, não me perguntem o porquê, a associação que fiz foi com o ambicioso e desastroso “Fim dos Tempos” (2008). E se esta não é uma referência das mais abonadoras, pelo menos a última imagem remete a um clássico: Como não pensar em Humphrey Bogart e Ingrid Bergman ou em Clark Gable e Vivien Leigh quando, no último frame, Steve Rogers beija Peggy Carter?
E por falar em clássico, antes que eu me esqueça, faltou dirimir a última das condições que, em tese, determinariam a publicação ou não de um texto neste espaço: O que é um clássico? Para responder esta questão, vou pedir a ajuda de um velho conhecido, o jornalista e escritor italiano Italo Calvino: “O ‘seu’ clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e, talvez, em contraste com ele”. Em outras palavras: tudo aquilo que for afetivamente importante para alguém. Seguindo esta lógica, qualquer obra cinematográfica pode ser considerada um clássico e aí parece ser um pouco de loucura discutir o status de um longa-metragem que já arrecadou mais de dois bilhões de dólares. Com tanta gente vendo (revendo) e, segundo relatos, chorando feito criança, afetividade é o que não falta.
Desliguem os celulares e excepcional diversão
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Título original: Avengers: Endgame
Direção: Anthony e Joe Russo
Produção: Kevin Feige
Roteiro: Christopher Markus e Stephen McFeely
Elenco: Robert Downey Jr, Chris Evans, Mark Ruffalo, Chris Hemsworth, Scarlett Johansson, Jeremy Renner, Don Cheadle, Paul Rudd, Karen Gillan, Bradley Cooper, Brie Larson, Danai Gurira, Josh Brolin, Elizabeth Olsen, Benedict Cumberbatch, Samuel L. Jackson, Cobie Smulders, Chadwick Boseman, Evangeline Lilly, Anthony Mackie, Tom Holland, Sebastian Stan, Letitia Wright, Chris Pratt, Dave Bautista, Pom Klementieff, Vin Diesel, Tom Hiddleston, Zoe Saldana, Benedict Wong, Jon Favreau, Gwyneth Paltrow, Tessa Thompson, Winston Duke, Frank Grillo, Hiroyuki Sanada, Rene Russo, John Slattery, Howard Stark, Hayley Atwell, Lexi Rabe, Tilda Swinton, Natalie Portman, Marisa Tomei, Michael Douglas, Michelle Pfeiffer, Taika Waititi, Ross Marquand, Ty Simpkins, Angela Bassett
Diretor de Fotografia: Trent Opaloch
Produção e Distribuição: Marvel Studios e Walt Disney Studios Motion Pictures
País: Estados Unidos
Gênero: ação, aventura, fantasia e ficção científica
Ano de produção: 2019
Duração: 181 minutos