Néstor Guzzini e a Brasilidade | Bônus
Alvaro Tallarico
Hoje pude ver o filme uruguaio ‘Meu Mundial‘ e entrevistar o ator Néstor Guzzini. Na conversa falamos – dentre outros assuntos – que o esporte, o futebol, é um dos poucos sonhos de muitos que vivem nesse continente, principalmente os de menor condição financeira. Contudo, o cinema latino-americano traz tanto emprego, tantas possibilidades, assim como a cultura em geral. Mas aí está uma busca por desmantelar a sétima arte brasileira. Acabaram com o Ministério da Cultura. Tentam deformar a Ancine, que não nasceu para escolher que filme poderia ou não ser feito no Brasil, e sim para auxiliar no crescimento e fortalecimento do cinema brasileiro, aliado forte para uma economia efetiva.
Em ‘Meu Mundial’ um dos maiores e mais fortes ensinamentos é de que a defesa do pobre é ler e aprender. O futebol não pode ser a única chance. Inclusive, Néstor Guzzini me disse exatamente isso, como uma das tristezas desse continente tão rico – e tão cheio de pobreza. Apesar de seus muitos prêmios, Néstor fez questão de falar que cinema é feito por uma equipe, por muita gente, não atua sozinho, mas com e por um coletivo.
Néstor Guzzini acabou me fazendo pensar sobre brasilidade.
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BRASILIDADE E/É CULTURA
Ser brasileiro está fora de moda. Antes, se você viajasse e falasse que era do Brasil, vinha, na maioria das vezes, uma simpatia instantânea juntamente com aquele show de estereótipos: samba, carnaval, futebol, alegria. Agora as pessoas fazem uma cara de desdém. A bandeira do Brasil mudou de significado e o verde e amarelo parecem ter perdido sua magia. Hoje vivemos um Brasil de falso patriotismo, onde nossos maiores valores culturais são desprezados.
Contudo, a cultura (sobre)vive! Brasilidade não é um conceito acadêmico, brasilidade é Jackson do Pandeiro. Brasilidade são as crônicas presentes na música de Jackson do Pandeiro fazendo um perfeito recorte de tempo e espaço. Pois é Chico Science, Nação Zumbi e o Maracatu Atômico. Você consegue imaginar a música Maracatu Atômico vindo de algum lugar que não seja o Brasil? Ou, mais especificamente, do nordeste do Brasil? Pense no movimento manguebeat. Brasilidade é manguebeat.
RESISTENTE
Brasilidade é rir mesmo quando tudo vai mal. Mas brasilidade também é ‘Bacurau‘; é não aceitar ser riscado do mapa. Um dia, passeava com amigos pela Vila Madalena, em São Paulo, quando fomos convidados para uma festa. Ao perguntarmos o que tinha lá, responderam: “brasilidades”. Adentramos e “brasilidades” era a música do Pará, era o carimbó, o coco. Brasilidade é o que pulsa através dessa miscigenação formando uma energia única e diferente. Uma cultura aberta ao mundo, brasilidade pode ser até uma história oriental, como a flor de lótus que nasce da lama. Da lama ao caos. Do caos a lama. Esse Brasil tão massacrado, colonizado, subestimado, subserviente… ainda assim, resistente.
Resistente às intempéries e aos podres poderes, corrupção que vem de todos os lados, não só da esquerda, nem só da direita; vem de cima, vem de baixo, em diagonal. Um desastre social. Mas deixa de lado esse bacalhau, por que mais uma vez digo, que aqui tem Bacurau. E também tem carcará.
Brasilidade é lembrar as crônicas de João Ubaldo Ribeiro, vivo em cada livro q e crônica que escreveu. É Rubem Braga. Esqueça o nacionalismo doente, demente, mas brasilidade pode ser um conceito abraçado pela cultura. Cultura brasileira, cinema brasileiro, música brasileira, Amazônia brasileira. Na verdade, um Brasil de realismo esperançoso. Uma crônica de fragmentos culturais.
Toda quarta-feira, ou um pouco depois, ou quando a chefia pede, tem coluna BÔNUS. Do tal de Tallarico.