Euphoria coringa réquiem

Cenas de Euphoria, Coringa e Réquiem

BÔNUS | ‘Cocaine’ e a ‘Euphoria’ de um Coringa tóxico

Alvaro Tallarico

Ouvir a nova música do Nove Zero Nove (Cocaine) me fez pensar no filme Réquiem para Um Sonho, de Darren Aronofsky, e na série “Euphoria”,da HBO. Todos têm algo em comum, um tema polêmico e difícil: drogas.

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Fuga? Diversão? Experimentação? Curiosidade? Drogas talvez sejam tudo isso e mais um pouco. Aparentemente, cada substância psicoativa abre uma dimensão diferente no subconsciente do usuário, labirintos tortuosos que podem parecer atrativos. Aliás, o trecho de “Cocaine”, “E decidi ficar longe de você / e resolvi prezar por minha sensatez”, parece até o fim de uma relação tóxica. De fato, é. Geladeira vazia, subindo ladeira, perdição, tristeza, melancolia. Um rock didático na voz ambiguamente expressiva de Mergener.

Ao sair de uma aula, vi um colega de classe acender um cigarro. Disse ser um entusiasta dos psicotrópicos. Havia acabado de apresentar uma crítica na aula Semiologia do Jornalismo Cultural no Cinema sobre Réquiem para Um Sonho. O filme é forte, pesado, bem-feito, disfere socos no estômago do espectador.

Em certo momento do texto desse colega, uma frase me chamou atenção: “o estrago causado pelas drogas, o estrago causado pela vida”. Um tom pessimista ou realista? Foi sobre esse trecho que perguntei. Prontamente explicou que o cineasta tinha a ideia de falar sobre o estrago da vida e não das drogas. Contudo, acredito que exemplificou os dois cinematograficamente.

Réquiem Alcóolico

A saber, Réquiem, do dicionário significa: substantivo masculino, 1. LITURGIA – prece que a Igreja faz para os mortos; 2. MÚSICA – composição sobre o texto litúrgico da missa dos mortos cujo introito começa com as palavras latinas requiem aeternam (‘repouso eterno’). Alguns consideram as drogas como pequenas mortes, outros como experimentações válidas. Complicado, quase todo dia tomo um café. Cafeína, altamente viciante, se tomar demais fico com taquicardia, sinto uma agitação artificial e incômoda. Praticamente toda substância que termina com o sufixo “ina” tem alto poder de criar dependência. Um argumento dos veganos sobre os queijos de origem animal é que contém caseína, uma substância capaz de estimular as mesmas partes do cérebro que a cocaína. Ademais, como não citar a famosa nicotina do tabaco, tão viciante como a heroína. Aliás, você compra um cigarro em qualquer esquina, uma droga legal juridicamente e socialmente aceita.

Inclusive, o uso da nicotina (no cigarro, mascar tabaco, etc) causa mais enfermidades e mortes que todas as outras drogas de dependência combinadas. Simplesmente uma a cada seis mortes nos Estados Unidos são resultado do hábito de fumar tabaco (fonte: Instituto Nacional sober el Abuso de Drogas – Institutos Nacionales de la Salud).

Ah, ainda tem a cerveja inofensiva de todo dia, né? A outra amiga que conversava logo disse: “o álcool me ajuda a escrever”. De fato, uma das coisas que essa droga costuma causar é a desinibição e lampejos criativos (não duradouros). Quantos escritores são famosos pelo alcoolismo? William Faulkner; Charles ­Bukowski, Jack Kerouac, Edgar Allan Poe. Inclusive, a ciência já confirmou existir um gene do alcoolismo. Vinícius de Moraes adorava um uísque.

Euphoria no pêndulo

A série Euphoria da HBO, mostra uma juventude perdida entre nudes e drogas. A dependência química da protagonista é o tema principal. Uma das principais sensações buscadas por quem prova uma droga talvez seja exatamente a euforia, um auge de alegria explosiva. Mas tudo que sobe, desce. Segundo o filósofo Arthur Schopenhauher, a vida é como um pêndulo, para trás e para frente, entre o desgosto e o tédio. Era um pessimista. Ok, a vida oscila e é um pêndulo, nada dura para sempre, contudo, conhecer o frio nos faz dá valor ao calor; a solidão é oposta a um bom abraço. O pêndulo tem bons, maus e ordinários momentos, as drogas bagunçam essa oscilação com intensidade.

Ainda tem a paixão, essa tem características de droga, segundo a ciência. Pois é um estado fisiológico, com sintomas psíquicos e físicos, onde ocorre uma atividade cerebral intensa e hormonal parecida à do vício. Em suma, o discernimento, a sensatez (“e decidi ficar longe de você”), o julgamento crítico e a racionalidade com relação ao parceiro ficam reduzidos, em especial nos primeiros meses. Irônico, não?

Em “Euphoria”, a personagem de Zendaya acaba substituindo sua dependência química por uma paixão. Arriscado.

Bônus: O tóxico Coringa

Enfim, essa semana estreia o esperado filme do “Coringa”. A saber, ele está sendo acusado, principalmente, de ser… tóxico. Supostamente estimularia os incels. Ou seja, incel quer dizer involuntary celibates, forma em inglês de nomear celibatários involuntários. Pasmem, existem reuniões de pessoas que se consideram incels em fóruns na internet. São, em sua maioria, homens brancos heterossexuais, solitários, inseguros e frustrados. Em muitos desses grupos acaba acontecendo uma propagação do discurso de ódio e misoginia, onde as mulheres são apontadas como culpadas pelo celibatário coletivo e vistas como inimigas ao lado dos homens sexualmente ativos. A violência acaba sendo o caminho escolhido por muito desses e um deles seria o Coringa de Joaquin Phoenix.

Não vi o filme até o lançamento dessa coluna, mas digo que não. “Coringa” não é tóxico, mas pode ser sobre uma sociedade venenosa. É a história de um sofredor excluído com problemas psicológicos sérios que segue o caminho que nunca deve ser seguido, em hipótese alguma, o da violência.

Mas e você? O que achou desses filmes, série e canção? A coluna BÔNUS, desse Tallarico que vos escreve, sai toda quarta-feira. Plantando reflexões sem fornecer conclusões.

Alvaro Tallarico

Jornalista vivente andante (não necessariamente nessa ordem), cidadão do mundo, pacifista, divulgador da arte como expressão da busca pela reflexão e transcendência humana. @viventeandante
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