‘First Cow’ é simplesmente o melhor filme independente do ano

De fato, alguns filmes nos contam muito apenas pelo silêncio. Por olhares, gestos ou poucas palavras. Da mesma forma, existem produções que narram jornadas simples de forma tão magistral que é impossível sair da sessão sem um sorriso de limpeza de alma. Assim, o filme First Cow (sem título traduzido ainda) junta o melhor dessas duas características.

Mas isso não é novidade. A diretora e roteirista Kelly Reichardt fecha aqui sua década de brilho que começou em 2010 com “O Atalho”, um road movie ambientado no século XIX com Michelle Williams. Três anos depois, colocou Jesse Eisenberg como um ativista ambiental em “Movimentos Noturnos”. Por fim, “Certas Mulheres” veio em 2016 com três maravilhosas histórias femininas de saída das inércias da sua vida. Enfim, chegou 2020 e Reichardt encontrou seu auge.

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Uma amizade inesperada

A saber, o filme First Cow começa com uma moça passeando com seu cachorro, em tempos contemporâneos, que descobre dois cadáveres, só os ossos, de duas pessoas que morreram há muito tempo lado a lado. Seriam amigos? Inimigos? Ainda não sabemos.

Aliás, naquela magia da edição cinematográfica, somos instantaneamente transportados para 1820, nos Estados Unidos que vivem a época dos movimentos similares aos dos bandeirantes aqui no Brasil. Homens vão explorando, descobrindo terras inexploradas e reconhecendo matérias-primas nos solos norte-americanos.

Então, neste cenário, conhecemos Cookie (John Magaro, coadjuvante da série “Orange is The New Black”), um retraído cozinheiro que se depara com o imigrante chinês King-Lu (papel de estreia do brilhante Orion Lee). Juntos, decidem tentar enriquecer na terra prometida, usando os talentos culinários de um e o dom empreendedor do outro.

Se o fim é o dinheiro, os meios, no entanto, são ilícitos. Afinal, precisam do leite da única vaca do território, que pertence a um rico e violento fazendeiro. Movimentando-se apenas na madrugada para conseguir o produto, aos poucos vão crescendo na carreira, mas com medo e insegurança.

Kelly Reichardt e sua direção genial

Não há mais nada para falar sobre a história. Esse é apenas o plot da primeira hora. O resto é com o espectador que precisa completar com sua sensibilidade a segunda metade do filme.

Mas também conta com o talento da cineasta. Reichardt traz, sem dúvidas, a direção mais genial do ano. Ouso até dizer, do século. Ela completa os silêncios com imagens deslumbrantes de um mundo que está sendo descoberto aos poucos e carrega uma tensão generosa em cima de uma dupla que quer apenas seu lugar ao sol.

É uma narrativa construída de maneira tão cirúrgica que esquecemos até do mistério da primeira cena. O que mais esperamos é só o mínimo sucesso da dupla que nos conquista com seu carisma e delicadeza.

O melhor filme do ano

O cinema independente ainda tem muitos obstáculos para conseguir chegar ao grande público, mas o filme First Cow logra em criar uma ponte aos que se permitem ultrapassar o pôster nada convidativo (apenas uma vaca em cima de um barco a flutuar no rio).

Aqui, temos então o melhor filme do ano. Um acontecimento cinematográfico magnífico que toma um ponto de partida comum: uma amizade inesperada para mostrar que sempre há algo mais a contar, se a história sair de uma mente privilegiada em criatividade.

TRAILER

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FICHA TÉCNICA

Título original: First Cow
Direção: Kelly Reichardt
Elenco: Gary Farmer, Scott Shepherd, Alia Shawkat, Ewen Bremner, John Margaro, Lily Gladstone, René Auberjonois, Toby Jones
Onde assistir: Showtime
Data de estreia: sex, 10/07/20
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2020
Duração: 122 minutos
Classificação: 14 anos