Sturle Dagsland | Psicodelia nórdica a toda prova
Guilherme Farizeli
Sturle Dagsland é um artista que não tem medo de arriscar. Acima de tudo, a quebra de paradigma é a sua matéria-prima. A saber, o músico norueguês compõe e produz ao lado do irmão, Sjur. Juntos usam uma ampla variedade de arranjos em instrumentos de todas as partes do mundo.
O resultado, apesar de subjetivo, são paisagens sonoras, ora modernas, ora ancestrais. Dá pra perceber uma influência de Björk no som do cara, o que é ótimo. E, talvez, a maior semelhança seja justamente a falta de similaridade com outras coisas. O trabalho é tremendamente original.
O norueguês lançou recentemente seu álbum de estreia, que leva justamente seu nome.
Portanto, ouvir o trabalho de Sturle Dagsland requer, no bom sentido, permitir-se que o estranhamento permeie a audição. Afinal, são texturas dramáticas, emotivas e libertadoras que se constroem e se dissolvem, às vezes tudo em uma mesma música.
Com tantos predicados, é claro que a gente foi trocar uma ideia com ele. Confira!
Oi, Sturle! Como vai? Espero que você esteja bem e saudável.
Eu estou bem. A neve desapareceu por alguns dias, então acabei de voltar da primeira viagem de patins deste ano.
Vamos começar assim: conta pra gente um pouco sobre sua carreira. Como foi o início e porque resolveu ingressar no meio musical. O que lhe motivou, de fato?
Nossa música é expressiva, dinâmica e aventureira. Usamos uma grande variedade de instrumentos do mundo todo, misturados com eletrônicos, paisagens sonoras modernas e várias técnicas vocais diferentes. Não temos um tipo particular de processo criativo para funcionar como um modelo final ou ponto de partida para criar nossa música. Mas a inspiração pode vir de qualquer lugar, tanto da música, da natureza, dos sonhos, da arte, da vida quanto do subconsciente.
Sempre adorei explorar meus sonhos e criatividade de várias maneiras diferentes. Eu adorava escrever histórias, atuar, fazer filmes, cantar, tocar, etc. Depois de um tempo, a música parecia a plataforma mais excitante e vital para eu me expressar e continuar a explorar minha criatividade. Eu cantava ópera com todas as minhas forças todos os dias quando voltava da escola. E aos 10 anos ganhei um concurso de talentos interpretando “Barbie Girl” (do Aqua) de minissaia e o sutiã de minha mãe cheio de doces. Eu estava cantando, dançando e simulando sexo com uma boneca de mão que fiz. Ao mesmo tempo, meu irmão e futuro companheiro de banda Sjur construiu muitos robôs e invenções maravilhosas com o lixo que ele encontrava em contêineres nos subúrbios. O que o levou a canalizar a mesma energia criativa para a música e, depois de um tempo, começamos a fazer música juntos.
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Sua música é bastante diferente do tradicional. Une psicodelia com percussões e sonoridades éticas do mundo todo. Quais as suas referências de artistas e como você se inspira para compor?
Eu amo todos os tipos de música: pop, música de coro russo, folk africano, experiências atonais, flamenco. Há também uma rica herança musical na Noruega e alguns dos diferentes tipos de tradições musicais populares são realmente maravilhosos. Fazer música é uma fórmula multifacetada e flexível e, da maneira como você a cozinha, os ingredientes que você coloca podem variar de uma música para outra.
Mesmo que a maior parte de nossa música não tenha necessariamente uma inspiração em particular, tiramos de uma ampla variedade de lugares diferentes. Uma das canções do álbum “Noaidi” leva o nome do shaman do povo Sami.
Que maneiro, Sturle! Fala mais sobre isso.
O povo Sami é o povo indígena do norte da Europa e nós temos raízes Sami maternas. O Noaidi é um comunicador com o mundo espiritual e com seu tambor ele pode viajar e trazer uma pessoa que estava presa em outro reino de volta ao nosso mundo. Portanto, embora algumas das canções possam “desenhar” um pouco dessas histórias antigas, tradições ou mitologia, nossa música “Hulter Smulter” surgiu após um encontro com um gato amigável. “Harajuku” tem o nome de um distrito em Tóquio. Então, cada música é diferente.
Você tem uma relação especial com a sua voz. É um instrumento para você, certo?
Usamos uma grande variedade de instrumentos do mundo inteiro, mas a voz é sempre a ferramenta mais importante para mim. Tanto no processo de composição quanto de gravação. Eu utilizo uma grande variedade de diferentes técnicas vocais. Canto difônico, Joiking (o canto dos Sami, povos indígenas do norte europeu), gritos primitivos, música pop, Kauking (tipo de canto utilizado por pastores para se comunicar com animais como gado, ovelhas, etc), expressões animalescas, canto clássico, etc.
Esse é, de fato, seu primeiro álbum. No entanto, você vem lançando singles desde 2016. Além disso, antes desse disco, você também já havia revelado cinco músicas inéditas. Por que só agora decidiu que era hora de lançar um álbum completo?
Nós estivemos em um bom fluxo criativo nos últimos dois ou três anos e sentimos que era hora de lançar um álbum.
Entre as músicas que têm lançado desde 2016, notei que algumas como “Yokai”, “Blossoming”, “Nzinga” e “Guaifing” ficaram de fora do álbum ‘Sturle Dagsland’. Por quê? Não estavam na mesma sintonia do que você pretendia para esse disco?
Nunca considerei incluir nenhuma de nossas canções lançadas anteriormente. Eu me sentiria como um velho cadáver em deterioração se escolhesse incluir uma música que lancei há 3 anos em nosso novo álbum. Seria como incluir fotos de sua ex-namorada em um álbum de fotos para celebrar seu casamento com outra mulher.
Você tem uma presença também peculiar no palco, onde se entrega e interpreta as músicas de forma bem intensa. Tem alguma ligação com o teatro, é inspiração em algum artista ou apenas improvisação sua mesmo?
Bem, sim e não. Fiz teatro quando era mais jovem e definitivamente gostava muito. Mas, em nossa música, tento ser o mais livre e verdadeiro comigo mesmo e com os sentimentos que estou tentando transmitir. Para mim, parece mais teatro quando uma banda está propositalmente tentando parecer o mais “malvadona e legal” quanto possível (não que haja algo de errado com isso também). Eu posso apreciar o tipo de música que faz você querer usar uma bandana e óculos de sol enquanto anda de moto à meia-noite. Entretanto, tento transmitir em nosso trabalho uma ampla gama de sentimentos diferentes.
Nossa música explora uma grande variedade de emoções, desde a sensação de dançar descalço no topo de uma montanha e uivar com os lobos até uma inexplicável tristeza, felicidade, frustração e alegria. É música e é exatamente o que parece mais certo para mim. É o que não posso explicar em palavras e significa tudo para mim.
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Você já conhece o Brasil, afinal, esteve por aqui em 2019 para dois shows. O que achou do país? Como foi a receptividade dos fãs?
A resposta durante e após os shows em dezembro de 2019 foi incrível. Em nossa experiência, o público foi extremamente entusiasmado, amigável e de mente aberta. Que é exatamente o que eu esperava que fosse. Também conheci um macaco durante uma caminhada, bebi leite de coco e fiz novos amigos. Então, eu não poderia pedir por uma primeira turnê melhor no Brasil.
Então, no geral, o Sturle Dagsland foi bem recebido por aqui?
Principalmente pelos taxistas de São Paulo. Eram muito amigáveis. Para fazer amigos, bastava dizer “olá” e falar de alguns antigos jogadores de futebol brasileiros. “Hola. Roberto Carlos, Ronaldo. Rivaldo” e então nos tornamos amigos na hora e recebemos recomendações não solicitadas sobre Samba, saideira e mulheres brasileiras. Meu irmão Sjur também comprou 25 quilos café brasileiro que ele trouxe de volta para casa, na Noruega.
Além disso, há uma turnê planejada para maio/junho deste ano, inclusive acompanhado pela banda brasileira Deaf Kids. Já conhecia o trabalho deles? E qual a sua expectativa para um possível retorno ao nosso país?
Sim, a turnê foi adiada para maio de 2022 e estou realmente ansioso por ela. Eu não conhecia a música do Deaf Kids antes de recebermos a oferta para sair em turnê com Oranssi Pazuzu, mas estou ansioso para curti-los ao vivo. Eu quero muito voltar ao Brasil o mais rápido possível. Acabamos de começar o planejamento da turnê latino-americana em 2022, que definitivamente incluirá o Brasil. Não tenho certeza de quando vai rolar, mas vai rolar. Portanto, entre em contato se tiver alguma sugestão sobre onde devemos tocar.
Seus clipes – especialmente “Kusanagi” e “Yokai” – são animações também que fogem do tradicional. Essa parte criativa nos vídeos também é ideia sua ou foi sugerida por Eirik Heggen, responsável pelos dois trabalhos?
Os temas e o visual dos filmes de Heggens se inspiram em contos populares, surrealismo e arte antiga de todo o mundo. Ele tem um estilo muito distinto e uma imagem visual muito rica que o tornou um colaborador perfeito para mim.
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Eu o conheço desde os 13 anos, nós ficamos chegados tomando um smoothie de mirtilo e, desde então, temos sido grandes amigos. Agora, ele se tornou um animador premiado. Em “Yokai”, eu lhe dei liberdade total e fiquei emocionado com o resultado final. Em “Kusanagi”, eu já tinha algumas ideias para o que eu queria. Conversamos e discutimos o enredo, que ele expandiu e evoluiu para algo totalmente diferente. Assistir ao videoclipe agora é como espiar pelo olho mágico um mundo de fantasia maravilhoso, cheio de centenas de criaturas únicas e estou muito feliz com os resultados.
Por fim, em recente entrevista, você se autoproclamou uma entidade dinâmica, um personagem de desenho animado. Como seria isso? Poderia explicar melhor?
Eu não sei, falei isso? Talvez? Bem, a maioria dos meus modelos são definitivamente personagens animados, especialmente em termos de estilo. Os jogos Final Fantasy e os animes tem alguns dos personagens mais “estilosos” por aí.
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Então você é artista e acha que não tem muito espaço? Fique à vontade para divulgar seu trabalho na coluna Contra Corrente do ULTRAVERSO! Não fazemos qualquer distinção de gênero, apenas que a música seja boa e feita com paixão!
Além disso, claro, o (a) cantor(a) ou a banda precisa ter algo gravado com uma qualidade razoável. Afinal, só assim conseguiremos divulgar o seu trabalho. Enfim, sem mais delongas, entre em contato pelo e-mail guilherme@ultraverso.com.br! Aquele abraço!