A essência do rap não existe no álbum ‘7 Dígitos’, de Kawe
Cadu Costa
Não se sabe quando começou essa onda mas ela ganhou força e hoje em dia é inevitável: o rap não é mais o mesmo, amigos. Se por um lado temos nomes geniais como Emicida, Rincon Sapiência, BK, Criolo, Baco Exu do Blues, Rael – sem falar na Velha Guarda do Rap com Mano Brown e os Racionais MC’s – por outro lado, temos Kawe.
Devido ao single “Mds”, que ganhou uma dança que tomou o TikTok nos últimos meses, o rapper passou de desconhecido para um dos rappers mais escutados do Brasil. Na última quarta-feira (7/7), Kawe lançou o álbum 7 Dígitos, primeiro trabalho longo da carreira do artista.
Kawe é música para essa Geração Z. Mas não se engane, só jovens que se importam com o número de seguidores e não com o conteúdo escutam esse tipo de música. Afinal, como negar a profundidade dos versos de “Purifica”? “Quando ela me chupa, purifica a alma / Não quero mais parar, ela fode demais…”. É quase um Tom Jobim, não é verdade?
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Rap ostentação
A vida de rapper que ostenta não é novidade, nunca foi. Principalmente nas músicas vindas dos EUA, sempre existiu o sexismo, o uso das drogas (leia-se maconha) e o ideal de carro do ano, menina da moda e muitos dólares.
No entanto, o rap ainda existia como um sentido social. Você não escutava Wu Tang Clan, Tupac ou Facção Central sem ter algo pra pensar.
Quando os MCs ficaram ainda mais famosos por conta da explosão do funk nos anos 90, letras politizadas eram a vertente. Como não lembrar de “Rap da Felicidade”, de Cidinho e Doca? Ou do amor cantado pelo MC Marcinho em “Rap do Solitário”?
Visão distorcida
Outra época, dirão. Sim, outra época. E justamente agora onde poderíamos ter uma geração que combatesse as injustiças com mais vigor, nos deparamos com Kawe em 7 Dígitos e sua visão meio distorcida de mundo. O cantor diz não gostar de se limitar a um estilo específico de música:
“De uns tempos para cá, todo mundo pode perceber que eu sou uma pessoa que faz vários estilos de música, não faço só trap ou só rap. Eu tento me desdobrar para tentar fazer música no contexto geral. Meu álbum não tem uma ideia principal. Cada faixa é uma brisa diferente. Cada faixa é uma sensação diferente que você sente ao ouvir. Quando você ouve, vamos supor, você escuta a primeira faixa e é uma brisa, na segunda é outro assunto, outra ideia, outro estilo de beat. É isso que eu tentei buscar. Espero que o pessoal pegue essa visão quando escutar faixa por faixa”, afirmou o rapper.
Bunda e Deus
Errado. Ao ouvir as setes faixas de 7 Dígitos, de Kawe, o ouvinte pode achar estar ouvindo uma música de 18 minutos, pois se trata do mesmo assunto por todo o disco: mulheres, dinheiro, carros, drogas, mais mulheres, mais dinheiro, mais carros e mais drogas.
Até pra agradecer, na música “Como Deus É Bom”, Kawe fala de bunda, de carros e de drogas. E se focarmos somente na musicalidade, aí a coisa piora. Batidas repetitivas, chatas e sem o menor feeling. Triste.
Ah, mas ele tem um milhão de seguidores no Instagram, três milhões de ouvintes mensais no Spotify, com mais de cinco músicas acima da faixa de 10 milhões de reproduções na plataforma. No YouTube, ele conta com dois clipes que, somados, possuem mais de 150 milhões de visualizações. Só “Mds” possui mais de 90 milhões de plays tanto no Spotify, quanto no YouTube, além de mais de três milhões de vídeos que usam a faixa no TikTok. Tá e daí? Mais de 57 milhões de pessoas votaram neste presidente atual e ele é um completo imbecil.
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Rap de verdade
O bom é saber que ainda há muito rap de qualidade sendo feito no Brasil. Emicida e Djonga, por exemplo, são alguns dos maiores nomes do estilo no momento por suas visões e forma de apresentarem o mundo real para quem ainda viaja em ideais ilusórios de riqueza e padrão. O ruim é que a moda rap/trap ostentação não tem hora pra acabar. Ainda bem que sempre tem um Black Alien por perto para uma rima de verdade.
Por fim, uma recomendação: o filme Histórias e Rimas é uma boa saída para entender o real sentido do movimento rap. Porque com certeza, não é o Kawe.
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