Crítica de Filme | Amantes Eternos
Pedro Esteves
“Compositor de destinos/Tambor de todos os ritmos/Tempo, tempo, tempo, tempo/Entro num acordo contigo/Tempo, tempo, tempo, tempo” […] “E quando eu tiver saído/Para fora do teu círculo/Tempo, tempo, tempo, tempo/Não serei nem terás sido/Tempo, tempo, tempo, tempo/Ainda assim acredito” […] “Ser possível reunirmo-nos/Tempo, tempo, tempo, tempo/Num outro nível de vínculo/Tempo, tempo, tempo, tempo” – Oração ao Tempo, Caetano Veloso
Jim Jarmusch fez um filme que realmente trata os vampiros como seres do tempo, quer dizer, como na música de Caetano Veloso, Oração ao Tempo, os vampiros de Jim Jarmusch fizeram um acordo com o tempo. Contudo, não conseguiram se livrar deste poderoso senhor, que degradou a sociedade, a cultura e os sangue dos humanos (ou como eles chamam estes, zumbis). O tempo talvez seja a maior força de Amantes Eternos, ele está em tudo: na história, nas imagens, na maneira de ser das personagens e nos cenários.
A primeira imagem que vemos é o tempo, personificado em planos zenitais que giram, giram e giram de um LP e dos dois personagens principais, Eve e Adam. Estes eximiamente interpretados por Tilda Swinton e Tom Hiddleston, que, conduzidos por uma direção virtuosa, construíram personagens que pairam/param no tempo, sem nunca deixar de sentir a urgência deste. O tempo tornasse “concreto”, pairando na imagem, na calma dos planos. De certa forma, muitas vezes nada parece acontecer, mas pelo contrário, o tempo que decorre nos planos e acumula nas personagens e nos muitos bem construídos cenário, carrega o filme de histórias que acontecem ao mesmo tempo, apesar de invisíveis a nosso olhos. Só Eva e Adam são capazes de se conectar com essas histórias, nos cabendo apreciar em nossa sapiência cada detalhe da imagem.
O nomes dos personagens, Adam e Eve (Adam e Eva), não são a toa, de certa forma eles personificam duas forças motrizes da História: a criação – Adam – e o acumulo de conhecimento – Eva. Bem verdade que o fantástico personagem Christopher Marlowe (muito bem interpretado por John Hurt) é o famoso poeta e dramaturgo Inglês (que renovou o teatro de sua época, o período Elizabetano, influenciando artistas como Shakespeare, e que no filme é o verdadeiro escritor das peças deste), e também personifica a criação. A diferença entre o que cada um cria está na arte: Adam faz música e Marlowe teatro. Sendo assim, onde estão as outras artes? O filme não responde, talvez por ser a própria descrença do filme com os tempos atuais, tidos como ruins, sem criação genuína, deturpado, pelo menos é assim que os personagens o veem.
O desgosto com o tempo em que vivemos é constante no filme, o aproximando de Meia Noite em Paris (Wood Allen, 2011), pelo menos na discussão, pois em ambos o personagem é fanático pelo passado, só encontrando a criação neste. Contudo, em Meia Noite… se descobre que a História se faz agora, no presente, já em Amantes Eternos o passado nunca é superado, mas a esperança também nuca morre, sobrevivendo como um vampiro. É, porém, esse desgosto que surge como motivação suicida para Adam, compositor de músicas que só ele pode ouvir, e é, de diferentes formas, debatido no filme: pela denuncia do mercado como destruidor da originalidade, pela forma de se comportar dos jovens, pelo diálogos empregados, pela necessidade de um passado com profundidade e história para satisfazer os personagens e, acima de tudo, pelo título original: Only Lovers Left Alive (Só os amantes são deixados vivos ou Só os amantes ficam vivos em traduções livres). Só os que amam são capazes de “viver eternamente”. Um viver metafórico, tanto pelas obras que se cria com amor, tanto pela “vida” como morto-vivo (vampiro), que só os amantes deveriam ter o direito, em sua beleza, de desfrutar.
Ok, você deve estar se perguntando, é os vampiros, que vampiros são esses? Não são a personificação do mal, não exibem seus poderes para se impor, não querem dominar os humanos e com certeza não brilham a luz do sol (pela amor de deus, vampiros brilhantes é que nem o batmovel de Batman & Robin [Joel Schumacher, 1997], o pior filme de todos os tempos). A melhor resposta, talvez, seja que o cotidiano, em toda sua existência, acontece no filme, a profundidade de viver “eternamente” nunca foi tão bem construída no cinema (pelo menos, não no de grande circuito) e tão bem personificada nestes vampiros. O tempo passa de vagar, sem pressa, assim como os personagens (na maioria do tempo), afinal, para que pressa se não se sairá do circulo do tempo e se alcançou-se um outro nível de vinculo com ele?
Infelizmente o filme não é perfeito, ele se perde um pouco na própria desilusão com o presente, não aprofundando a discussão que se propõe (como o filme citado de Wood Allen consegue fazer), muito pela própria dificuldade de lidar com um tempo existencial tão prolongado pelo lento ritmo tendo que existir em 2 horas e pouco de filme. Sendo assim, uma experiência estética muito interessante é nos apresentado, juntamente a uma intelectual. Porém, a primeira se faz “concreta”, enquanto que a segunda parece ter se perdido em seu caminho, deixando um espaço vazio enorme e desvirtuando o conteúdo de batido.
BEM NA FITA: direção, composição dos personagens, atuações, fotografia, direção de arte, cenografia, edição, ritmo, quase tudo para ser honesto.
QUEIMOU O FILME: não conseguir desenvolver a ideia que se propõe debater.
FICHA TÉCNICA:
Nome: Amantes Eternos (Original: Only Lovers Left Alive)
Ano: 2013
Direção e roteiro: Jim Jarmusch
Produção: Reinhard Brundig
Elenco: Tilda Swinton, Tom Hiddleston, Mia Wasikowska, John Hurt, Jeffrey Wright
Fotografia: Yorick Le Saux
Edição: Affonso Gonçalves
Direção de Arte: Anja Fromm e Anu Schwartz
Cenografia: Christiane Krumwiede e Selina van den Brink
Figurino: Bina Daigeler