Assim como no Céu crítica do filme 45ª Mostra de São Paulo SP 2021

‘Assim como no Céu’, um exercício de frustração através do tempo

Gabriel Luna

Nós, enquanto seres humanos, estamos condicionados aos atos incontroláveis da natureza como parte de uma experiência mundana. A inevitabilidade apenas torna-se aceitável no momento que compreendemos nossas limitações perante às complexidades da vida. Lise (Flora Ofelia Hofmann Lindahl), ao se deparar com a possível morte de sua mãe durante o parto, precisa assimilar a efemeridade da vida em um exercício de frustração causado pela incapacidade de interferir nesses caminhos dolorosos conduzidos pelo fluxo do tempo.

Filha de fazendeiros e com plena possibilidade de ser a primeira da família a frequentar a escola, no final do século 19, coloca em voga questões sobre a primeira onda feminista que estava surgindo, mas limitava-se aos grandes centros. A educação é vista como abandono das responsabilidades matriarcais sugeridas por uma passagem de bastão de mãe para filha. Negar seu dever enquanto figura feminina (um preparatório para assumir a casa) traria a ira dos céus devido a um deslocamento da ordem natural instalada naquele pequeno ambiente. A fúria, aqui, aparece primeiro pelo descontentamento do pai, para depois chegar numa possível consciência divina.

Quebra de inocência

Durante sua construção de uma tragédia anunciada, é por meio da constante quebra de inocência que Tea Lindeburg vai aos poucos preparando o terreno no filme Assim como no Céu (Du Som Er I Himlen). O início dinâmico entre brincadeiras infantis e a sensação de despreocupação são trabalhados com muito entusiasmo para dar o contexto de pureza entre Lise e seus irmãos. A energia desses momentos acontece pela câmera movimentada atrás dessas ações. Quando não está buscando alguma reação natural de sua protagonista, a diretora nos localiza no meio da dinâmica como verdadeiros participantes.

Apesar de evocar todo um sentimento particular da infância, o balanço entre a transição de fases vivido por Lise pode ser sentido nos momentos que situam a personagem em uma composição mais íntima. O olhar no espelho, encarando o próprio reflexo como símbolo do autoquestionamento perante seu lugar no mundo; assim como o reconhecimento das mudanças no corpo causadas pelo crescimento; dão a personagem vestígios de um irrevogável afastamento com seu atual estado infantil.

O tempo

Como componente central da trama, o tempo não se fecha apenas no microuniverso da protagonista, mas se expande em uma lenta passagem que dita o fluxo de apreensão. Quanto mais espera o resultado – se a mãe irá sobreviver ou não – a percepção de um provável futuro começa a mostrar-se como punição pelas atitudes “rebeldes” que antes a guiavam. Perder um objeto precioso, ter afeição por um garoto, desobedecer uma vontade maior, tudo parece surgir como justificações que levaram a este grande sofrimento interminável.

Nesses momentos, ações adquirem intenções quase violentas por meio de impulsos contidos sobre o recebimento da situação. A duração do tempo tende a aumentar cada vez mais em uma sufocante crescente de angústia que tem a única função de reforçar a fragilidade da circunstância humana enquanto condição irreparável. Existe uma transitoriedade da personagem por essas ocasiões que se aliam com a decisão de mostrar o que está fora de alcance como uma abordagem expositiva, mas pontual, de evidenciar a desgraça como castigo.

Sonhos premonitórios

Castigo esse que está enunciado desde o princípio pelos sonhos premonitórios, ora explorados de forma abstrata, ditando o rumo de certas decisões, em uma mistura entre mensagens etéreas e desespero. Ora por meio de exemplos próximos, como no caso do menino deixado pelos pais para oferecer seus serviços ao novo dono da fazenda. Esta, em especial, conversa com a sensação de ser esquecida por deus, de estar entregue ao receio de ter sua vida destruída e reconstruída para atender uma espécie de chamado às atribuições imprescindíveis. Os sonhos são deixados de lado em uma triste compreensão do tempo e seus flagelos como aprendizado da prática existencial.

Em um exercício doloroso, o filme Assim como no Céu mostra como não estamos totalmente preparados para qualquer dificuldade, onde a sensação do futuro é tão incerta quanto instável. O tempo, como único agente confiável de todo o processo, ressalta nossa inferioridade diante de elementos que estão muito acima de tudo. Logo, prova-se inútil lutar contra forças colossais dessa maneira. Cabe a nós, enquanto seres humanos, transcender-mos sobre a vontade do tempo em um acordo particular com o incompreensível.

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Trailer do filme Assim como no Céu

Assim como no Céu: elenco do filme

Flora Ofelia Hofmann Lindahl
Ida Cæcilie Rasmussen
Flora Augusta
Palma Lindeburg Leth

Ficha Técnica

Título original do filme: I Comete
Direção:
Tea Lindeburg
Roteiro: Tea Lindeburg, baseado no romance de Marie Bregendahl
Onde assistir ao filme Assim como no Céu: Mostra de SP 2021
País: Dinamarca
Duração: 85 minutos
Gênero: drama
Ano de produção: 2021
Classificação: 14 anos

Gabriel Luna

Formado em jornalismo, gosta de filme em preto e branco e café sem açúcar.
NAN