It’s all right
Demétrius Carvalho
“Here comes the sun…tchu ru ru ru Here comes the sun, and I say It’s all right….”
Não era minha música preferida, sequer a preferida dos Beatles, mas eu realmente gosto dela . Isso era um presságio de que o dia seria bom.
A manhã não tinha nada demais, o almoço também não, mas 14:00h o pedreiro finalizaria a reforma do banheiro. Claro que ele não chegou na hora. 14:48h. Isso também não tinha nada demais. O banheiro quase finalizado não tinha nada demais. Azulejos brancos e nada demais. Foi o mais barato mesmo. Sabe como é né? Mas o avô Rubens deu a pitada de arte ao banheiro. Tinha reclamado com ele que meu banheiro ficaria tão hospitalar, absurdamente branco, que faltava vida. Ele me perguntou o que eu queria. Boas lembranças vô, como a sua varandinha ali na frente e apontei-lhe sua casa que ficava do outro lado da rua. Mesmo andar que eu. Terceiro.
Fui fazer um café e vovô perguntou se eu poderia dar-lhe apenas um dos azulejos. Estranhei e quis negar, mas vô né? Não tinha nada demais. Sei lá o que ele ia querer fazer com aquele pedaço de cerâmica…
– Rubão, café ta na mesa. – To indo.
Estranhei. Ele, um ávido consumidor de café demorar cerca de 5 minutos. Eu estava já adiantando alguma louça e me assustei quando ele coloca na minha vista o desenho. Vovô era um artista e desenhou a minha lembrança. Quer dizer, a varanda dele. Era capaz de sentir o cheiro do bolo de cenoura com chocolate que a vó fazia, embora de onde eu avistava a varanda não cheirasse e de onde cheirava-se não tinha tal visão. Ele desenhou boas lembranças. Uma compilação de sentimentos na verdade. Ah, meu avô não era artista, rima até… dentista. Artista é modo de dizer desse meio autista e isso foi ontem. Hoje era o “grand finale” da obra.
Enfim, 14:48h. Enfim o fim. Rubão havia passado verniz, selante, ou qualquer coisa para não se apagar o desenho. o azulejo ganhou aspecto amarelado, envelhecido, vida. Seria a peça que ficaria imediatamente acima da torneira do chuveiro. Eu tinha agora um banho com lembranças e já estava no banheiro de volta para apreciar meu banheiro novo após me despedir do pedreiro. O telefone toca e a notícia é que aquele era o último desenho que meu avô havia feito. Ao menos estava dormindo quando resolveu nos deixar. Um caldeirão de pensamentos e sentimentos arrebatou-me e eu ali de frente para o desenho dele. Enfim o fim… Olhei para o lado e o sol se punha…
” Here comes the sun…tchu ru ru ru Here comes the sun, and I say It’s alright….”
Ok… o sol não vinha… se ia… como meu avô… and I say… presságios não são necessariamente acertados, mas lembrei-me de Henry Sobel: As satisfações superam as frustrações… It’s all right….