Sonho ou realidade?
Demétrius Carvalho
Detesto acordar, mas detesto dormir também, Não sei o que detesto mais, mas deve ser como o bebê se sente ao nascer. Acordando, ou dormindo, sei lá. Ele se sente como eu atravessando de um mundo para o outro. O pessoal diz que eu tenho insônia, mas não, eu tenho dor. Dormir é sair de um mundo para o outro e eu nunca sei o que eu vou ver do lado de lá.
Já ouvi muitas definições sobre a insônia. Sempre definições clínicas, inúteis. Não caibo nelas… transbordo. Transbordo e dói. É sensitivo e provoca aquela reação em cadeia de não dormir por que não se trabalhou quanto deveria e não trabalhar por que não dormiu o quanto deveria. Dói.
Uma chuva começa a cair lá fora. É tipo Merthiolate. Ajuda, sara, mas dói. É incolor e ponteia a minha janela. Eu, como um grande artista plástico mental vejo paisagens por ali se desenhando. Pena que o meu artista plástico real não saiba desenhar. A não ser quando estou do lado de lá, no mundo dos sonhos. Lá eu sou capaz, mas daí vem a reversão da viagem e você acorda. Acorda para a vida, acorda para a real de que você não consegue dormir. A corda para a vida, isso mesmo, para com esse viagem do lado de cá para lá, mas eu sou teimoso e acordando mesmo sem dormir.
Eu sou um empreendedor fabuloso também no mundo dos sonhos e lá, tenho minha profissão perfeita. Uma loja de móveis e eu dormindo nela na vitrine. Podia ser com uma gostosona do meu lado de baby doll, mas outra vez, passando para o lado de cá, encontro a incongruência dos mundos. O que adiantaria essa vitrine quando não mais houvesse pessoas nas ruas? E eu com minha insônia agarrada com uma gostosa em público? Poderia ser mais público ainda. Cadeia pública e destaque no horário nobre na tv.
Ah, a dor, a incongruência dos mundos, um blog, outro, um salto de um mundo para o outro que se assemelha ao navio que perdeu o leme. Energia e trabalho demais sem direção. Acorda, a corda com ardor acordes com ar para a minha dor. Sôfrega, uma ansiedade que me deixa em uma faixa de gaza entre o mundo real e o mundo dos sonhos. Deu fome, fome de sonho, fome de grávida e pelo menos eu desci para pegar meu sonho, afinal, sonhar dormindo anda difícil. Ao menos vou consumir um sonho antes que meu filho nasça com cara de sonho.
Voltei para casa, sentei e devorei o meu sonho, me melei e lambi os dedos sem cerimônia. Morar perto dessas padarias chiques 24h me faz acreditar ser capaz de consumir quantos sonhos eu precisar, mas por hora era necessário voltar ao trabalho que nem em sonho engatava. Relaxei e abri um vinho. Seria só uma tacinha para não comprometer o menino que acordaria daqui uns meses. Sentei e podia ver as estrelas pela janela, algumas poucas nuvens e uma lua que era um sol. Lembrei de meu avô. Era dele essa expressão: Uma lua que era um sol. Daí, pegava seu violão e mandava uma seqüência de bolero. Me levantei e queria dançar um bolero. Simplesmente rodopiar e deixar a insônia para lá. Nessas horas a modernidade ajudava. Entrou na net e procurou por uma rádio de bolero on line. Ah essa internet. É a caixa de Pandora. Tem tudo. O locutor anuncia:
– Com vocês, Bruno Morais cantando “Insomnio y palabreria”.
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*Música de Demétrius Carvalho, Bruno Morais e Canek Guevara (filho de Che Guevara)