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Foto: Divulgação

“Essa é a Tropa do Mantém”: MC Poze do Rodo permanece como hitmaker com primeiro álbum ‘O Sábio’

Mylena Larrubia

O MC Poze do Rodo lançou na última quinta-feira, 10, seu primeiro álbum de estúdio, O Sábio. O disco está no top 10 mundial de estreias desta semana no Spotify, junto com nomes como Rihanna e Black Eyed Peas. Com nove faixas, a produção da Mainstreet, gravadora carioca que aposta no trap nacional, faz uma forte crítica social em relação à vivência nas favelas e periferias.

Além de contar com uma capa e fotografias que passam esse conceito, feitas pelo fotógrafo Rafael Freire, se trata de um álbum visual. Quatro clipes saíram no dia de lançamento do disco – “Talvez”, “Pesadão”, “Tô de Pé” e “Tropa do Mantém” -, e os das demais músicas sairão a cada terça-feira.

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Hits

Cria da favela do Rodo, que fica em Santa Cruz, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, MC Poze tem apenas 23 anos e já emplacou diversos hits antes deste álbum. Em 2021, dois dos dez clipes mais vistos no YouTube no Brasil foram dele: “Vida Louca” e “A Cara do Crime (Nós Incomoda)”, sendo o único a ter duas músicas no ranking.

Com este álbum não foi diferente: O Sábio já conta três clipes que estão em “músicas em alta” da plataforma há sete dias consecutivos, desde o dia seguinte ao lançamento. Em #1, “Pesadão”, com participação de MC Cabelinho e de Bielzin, em #2, “Talvez” e em #3, “Tropa do Mantém”, com participações de Raffé e Orochi.

“Ser sábio pra mim é ter a inteligência de conseguir sair de uma situação ruim e se superar pra poder proporcionar uma vida melhor pra sua família, pros seus amigos, pra sua comunidade”, disse MC Poze do Rodo em vídeo teaser do álbum no Spotify.

Álbum visual

Já adiantando o verso de “Talvez”, “favelado tem que juntar com favelado pra fazer acontecer”, todas as músicas de O Sábio têm participações e apenas uma tem um único feat. Nas colaborações, nomes como João Gomes, MC Cabelinho, Orochi, Bielzin, Oruam, Borges, Major RD e muitos outros estão presentes. No teaser do álbum, no Spotify, em que aparece uma série de vídeos curtos de Poze falando, ele conta um pouco sobre cada participação, dizendo o que o levou a chamar tais artistas para os trabalhos musicais.

O Sábio vai fundo no conceito de álbum visual. O conjunto dos clipes, a julgar pelos quatro que já foram lançados, vai traçar uma história de vivência periférica. As imagens mostram, sobretudo, a tensão entre a polícia, o tráfico e a perseverança em tentar ter uma vida com melhores condições.

Com inspirações em sua trajetória pessoal, Poze mostra um jovem que tenta ganhar a vida como camelô, mas é impedido quando “o rapa” – forma que os policiais que apreendem mercadorias geralmente são chamados no Rio – joga no chão os produtos que ele e outras pessoas vendiam numa feira ou num calçadão – em que a paisagem poderia pertencer a qualquer bairro pobre do Rio de Janeiro.

História do personagem

Seguindo nos vídeos, o personagem sonha em ser cantor, só que é ridicularizado em enquadros que sofre da polícia. Com o tempo, acaba se rendendo ao crime, que parece compensar até certo momento, em que viver bem significa algo como comprar “kit festa” de salgadinhos, Coca-Cola e cerveja, além da ostentação que, na verdade, traduz uma vitória pessoal e coletiva.

Nesse caminho, os policiais até negociam com ele, mas só quando os convêm. Até que o personagem é baleado quando, em uma festa da comunidade, a polícia invade e atira também em moradores. No último clipe liberado até então, no hospital, é denunciado para a polícia.

Na primeira música do álbum, “Talvez”, a letra é possivelmente a mais emblemática. Recheada de referências, fala de chacinas, dor de mães que perdem seus filhos, vivência árdua do trabalhador que “acorda cinco da manhã”, de liberação de armas, repressão policial, proteção política e, ainda, questiona: “Quem mandou matar Marielle?”. O verso faz menção à vereadora Marielle Franco, criada no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro. Ela investigava as milícias no Rio, e foi assassinada a tiros em 2018. 

Crianças

Tanto na primeira quanto na segunda música, “Pesadão”, MC Poze exalta as crianças, talvez como vendo nelas a possibilidade de um novo mundo: “fé em Deus e nas criança”, “as criança com medo não aguenta mais”. Esses versos pareceram irônicos quando, na divulgação do lançamento do álbum que fez em cinco favelas do Rio, aconteceram operações policiais.

Poze do Rodo instalou um telão nas comunidades Complexo do Alemão, Nova Holanda, Cidade de Deus, Vila do João e Vila Aliança, junto com brinquedos para os pequenos. No mesmo dia, o cantor disse nos stories em seu perfil no Instagram: “Acabei de receber uma triste notícia e infelizmente mandei tirar o telão e os brinquedos. Não sei o que houve na Nova Holanda, mas polícia entrou, tem morador baleado”.

Polícia

A materialização da narrativa não ficou só em relação às crianças. Em outubro deste ano, quando ele gravava um dos clipes do álbum, policiais apreenderam os carros usados nas filmagens, embora tenha sido dito que se tratava de um material audiovisual do cantor.

Sobre o episódio, Poze disse em seus stories: “Vai começar a palhaçada… deixa meu trabalho andar, tô focadão no meu álbum, fazendo meu álbum, o dia inteiro gravando clipe, não vem querer entrar no nosso caminho não! Vai cavar e não vai achar mancada nenhuma, maior implicância, deixa o bagulho andar, quero terminar meu álbum”.

O modo de ele falar desse acontecimento, dizendo que podiam cavar, mas não encontrariam ilegalidade alguma, fez parecer até que referenciava o verso de MC Cabelinho em “A Cara do Crime (Nós Incomoda)”: “pode revistar e depois tu me fala / carro tá quitado, vai arrumar nada”

Em mais de uma música, como em “A Tropa do Mantém”, Poze mostra o quanto significa para alguém de onde ele veio um simples “minha família tá bem”. Na mesma faixa, revela como a música conseguiu tirá-lo de uma vida no crime, que era uma realidade com a qual ele convivia desde pequeno.

Família

Agradecer sobre seus parentes estarem bem ganha mais sentido ainda em “Mundo Covarde”, em que ele homenageia seu melhor amigo que morreu, era conhecido como “Batchoca”, e considerado por ele como um irmão. O clipe dessa música é o episódio 5 do álbum visual, e tem participação de Oruam, saiu nesta terça-feira, 15.

Nos clipes, ainda não lançados por completo, não dá para saber exatamente onde a história do personagem vai dar. Observando pelas músicas, no entanto, pode-se perceber uma narrativa de ascensão econômica e superação pessoal, como aconteceu com Poze. E ele não deixou passar nem um pouco despercebido o contexto social “pesadão” que o cercou até alcançar esse lugar mais confortável.

“Minha mãezinha orando de joelho, pedindo pro seu filho voltar.” Na última música, “Não Vou Falhar”, MC Poze parece fazer uma promessa, em que “não falhar” pode representar principalmente voltar vivo para casa.

Além disso, continuar ocupando lugares que, no imaginário popular, não se esperam para alguém que veio de favela, como ser um “favelado milionário”, que diz em “Tropa do Sábio”, é uma promessa para todos que vêm da mesma realidade.

PZ, pitbull do funk, trem-bala, trem do errejota, sábio. Seja em qual vulgo for, Poze do Rodo mostrou com o lançamento de O Sábio que a máxima, ainda que caminhe para ser a ideal, está cada vez mais próxima de ser verdadeira: a favela venceu.

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Ouça O Sábio, primeiro álbum do MC Poze do Rodo (2022)

Mylena Larrubia

Estudante de Jornalismo na Escola de Comunicação da UFRJ. Tenho interesse em temas culturais e socioambientais, e por tradução e fotografia.
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