‘Cidade de Deus: A Luta Não Para’ surfa errado na onda do filme

Pedro Marco

Como fazer uma sequência de um dos maiores clássicos do cinema brasileiro? Bem, se existe uma resposta para esta pergunta, é bem provável que ela esteja no ano de 2024. Pois após retornarmos para a Salvador de O Paí Ó, e enquanto aguardamos o retorno para a Taperoá de O Auto da Compadecida, vamos revisitar os charmes e perigos da ‘Cidade de Deus’ no Rio de Janeiro.

Mas antes de entrarmos na série, vamos entender brevemente o que faz de Cidade de Deus um grande clássico. Levando em conta que você não esteve em uma caverna nos últimos 22 anos, acredito que se lembre do maravilhoso filme sobre a história dos personagens dessa peculiar comunidade carioca entre os anos 60 e 80.

A obra Cidade de Deus

Tendo por base o ótimo livro de Paulo Lins, a história divida em três partes parecia inadaptável (pelas palavras do próprio roteirista Bráulio Mantovani). Mas para traduzir a crueza e a vasta gama de personagens e histórias, uma equipe de elite composta pela direção de Fernando Meirelles e Kátia Lud e pela montagem de Daniel Rezende foi convocada. E como toque final, a casca grossa Fátima Toledo preparando um elenco composto majoritariamente por moradores das comunidades cariocas. Essa seleção é conhecida como um método inédito que foi batizado como “escola de atores”.

Então por mais que revendo hoje sejam reconhecidos os rostos de Leandro Firmino, Darlan Cunha, Douglas Silva, Alexandre Rodrigues e Thiago Martins, estes eram pessoas que sequer tinham ambição de atuar quando o filme começou a ser rodado. E mesmo nomes mais globais como Seu Jorge, Alice Braga e Matheus Nachtergaele, eram anônimos no momento da contratação.

E após este breve panorama, talvez possamos entender um pouco dos erros e acertos dessa aguardada sequência.

A campanha publicitária

A ideia começou com uma ação da empresa de telefonia VIVO, que realizou um curta chamado BUSCAPÉ. O vídeo tanto servia de propaganda, quando mostrava nosso querido protagonista em uma Cidade de Deus ambientada nos anos 2000. A partir dali, foi iniciado um projeto de dois anos que resultou na série “Cidade de Deus: A Luta Não Para”. A obra é dividida em seis episódios e está disponível na plataforma de streaming MAX.

Vale ressaltar ainda que não é a primeira vez que revisitamos este universo em formato de série. Entre 2003 e 2018 tivemos quatro temporadas, um filme e duas minisséries de Cidade dos Homens. Por mais que não haja referências diretas ao longa, e até mesmo os atores interpretem outros personagens, muito da linguagem utilizada na história de Laranjinha e Acerola, ajudou a pautar esta sequência de Cidade de Deus.

Os anos 2000

Bem, estamos agora nos anos 2000, e muita coisa mudou na CDD (agora chamada pelo apelido que ganhou nos anos 90). Mas mesmo com a expansão da comunidade e por um tipo diferente de perigo rondando os moradores, muita coisa também continua igual ao que era nos anos 80. Os bailes, as guerras, as intrigas pessoais e as pessoas de histórias únicas, rapidamente nos transporta para este universo ao mesmo tempo tão fantástico e tão real.

Pena que nos tiram dele tão rapidamente.

Ao contrário do filme de 2002, a série inicia nos apresentando alguns rostos já bastante consagrados. Se a ideia original era acreditar na crueza dos personagens que realmente vivem aquela realidade, agora temos um gosto de série da Rede Globo com rostos como Marcos Palmeiras e Andréia Horta. E por mais que o elenco de peso consiga sustentar os personagens, essa camada de superficialidade joga a sequência de algo tão único, em um lugar comum.

Problemas

Aliado à isto, temos uma direção confusa de Aly Muritiba, que vezes tenta (e falha em) emular o trabalho de Meirelles e Lund, e vezes tenta ser algo básico e sem personalidade. Claro que não dá para replicar o sucesso de 2002, visto que nem mesmo os diretores originais conseguiram se destacar posteriormente da mesma forma. Mas a falta de ousadia, de criatividade e de trazer um tom documental para o que vemos na tela, tira um pouco do mérito que o nome “Cidade de Deus” carrega.

Em terceira parte, temos um grande time de roteiristas, encabeçado por Renata Di Carmo, que repete um erro comum em casos de filmes que migram para séries de TV. Incrivelmente, em duas horas de filme temos um aprofundamento e desenvolvimento de personagens que uma série de TV com o triplo de duração. Se antes o texto de Mantovani nos conseguia dar um panorama complexo de personagens, de períodos de tempo e até mesmo de locais (fazendo a fantástica história da boca do Cenoura), aqui temos personagens interessantes, mas rasos.

Falta de identificação

Por mais que haja os artifícios anteriores de narração e flashback, nenhum deles consegue ter a mesma carga, impacto, identificação ou realidade do que personagens como Cabeleira, Paraíba ou Bené.

Por fim, a inesperada sequência de Cidade de Deus é uma experiência boa, bem feita, mas que peca ao usar um nome de algo que jogou a régua muito para cima. Com um tom mais próximo de produções posteriores como Tropa de Elite, os primeiros episódios entretém. Eles oferecem um breve abraço de nostalgia, mas, acima de tudo, prova que o fenômeno dos cinemas em 2002 é único e incapaz de ser duplicado.

Onde assistir a série Cidade de Deus: A Luta Não Para

A série Cidade de Deus: A Luta Não Para está disponível no MAX.

Por fim, não deixe de acompanhar o UltraCast, o podcast do Ultraverso que fala sobre Cultura Pop.

Elenco da série Cidade de Deus: A Luta Não Para

Otavio Linhares
Wayne LeGette
Alexandre Rodrigues
Andréia Horta
Thiago Martins
Marcos Palmeira
Roberta Rodrigues

Trailer – Cidade de Deus: A Luta Não Para

Ficha técnica

Título original: Cidade de Deus: A Luta Não Para
Direção: Aly Muritiba
Roteiro: Renata Di Carmo, Rodrigo Felha, Sergio Machado, Aly Muritiba, Armando Praça, Estevão Ribeiro
Temporada: 1
Episódios: 6
Duração: 50 minutos cada episódio
País: Brasil
Gênero: crime, drama
Ano: 2024
Classificação: 16 anos

Pedro Marco

Pedro Px é a prova de que ser loiro do olho azul e com cabelos e barbas longas, não te garantem ser parecido com o Thor. Solteiro, brasiliense e cozinheiro, se destaca como autor de 7 livros, host do Pipocast, membro da Academia de Letras de sua cidade, fundador de Atlética universitária, padrinho da Helena, e nos tempos livres faz 40h semanais como engenheiro civil. Escreve sobre cinema desde que tudo aqui era mato, sendo Titanic seu filme favorito
NAN