Crítica de Filme | À Queima Roupa

Alan Daniel Braga

Vencedor nas categorias de Melhor longa-metragem documentário e Melhor diretor de documentário no Festival do Rio, À Queima Roupa, de Theresa Jessouroun, é exatamente o que o título propõe.

Ao lembrar os 20 anos da Chacina de Vigário Geral com depoimentos, cenas ficcionais e imagens de arquivo, o documentário abre a narrativa para mostrar a expansão da violência e da corrupção policial no Rio de Janeiro até os dias de hoje. Outras chacinas e vítimas são mostradas sem muitos filtros, apenas à meia luz, com um ou outro artifício que ajude a esconder a identidade daqueles que não querem ser identificados. O retrato é duro, cru, violento, como a realidade daqueles que vivem na mira da ausência. As imagens são fortes e assim como não há misericórdia com as vítimas, não há com a plateia. Veja o crime, o sangue, os dejetos, as consequências.

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O tom é de denúncia. O documento pulsante não fica sem se posicionar. A dramaticidade (principalmente as dramatizações) tenta o tempo todo trazer o peso para a poltrona do cinema. Sem respiro. Por outro lado, o filme acerta ao não dar voz apenas às vítimas, lembrando que também existem os mocinhos, representados ali pela figura do coronel honesto e consciente, e desconstruindo a figura do vilão, representado na figura do X9 Ivan, responsável pela delação dos policiais à época da chacina. Vilão duas vezes, Ivan rouba a cena pela sinceridade com que expõe as verdades de uma instituição falha e de uma sociedade que finge não enxergar o porquê, que finge não ter culpa, que finge ser parte apenas do lado da vítima.

O tiro de Theresa destrói. O intuito não é exatamente resignificar a corporação policial, mas ampliar ao espectador comum o problema enfrentado hoje pelo Estado. A pré-estreia da última segunda-feira contou com um posterior debate mediado pela socióloga Julita Lemgruber e composto pela diretora do longa, pelo sociólogo e especialista Ignácio Cano, pelo cientista político e ex-Secretário de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares e pelo deputado Marcelo Freixo. A conversa ajudou a entender melhor a intenção do filme e aprofundar a questão.

Argumentos não presentes no filme mostraram como este pode ser útil para repensar e dialogar com o público. Entre as opiniões em debate, a desmilitarização da polícia, a descriminalização das drogas, o papel do Judiciário, a participação do Estado e a ausência na película da milícia e das Unidades de Polícia Pacificadora, que ficaram de fora justamente por serem temas que não dariam para serem aprofundados nos 90 minutos. Presente na plateia, o Coronel Brum, representante da Polícia e um dos personagens do filme, lembrou que os corruptos não são a maioria. Pelo contrário. E muitos sofrem com o estigma imposto por poucos. Por outro lado, o coronel exaltou a coragem da cineasta por expor o problema de forma contundente.

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À Queima Roupa é um grito. Foi a maneira encontrada por Theresa de dar espaço a quem já o teve, a quem nunca teve e a quem tem medo de tê-lo. Porque, segundo a própria cineasta, foi muito difícil encontrar quem quisesse falar. E o motivo para isso está exposto em cada gota de sangue presente na película.

BEM NA FITA: O tema, os personagens, a força dos depoimentos (em especial o X9, a família do jovem barbeiro que teve o crânio afundado em uma das chacinas e Vera Lúcia, que perdeu toda a família em Vigário Geral).

QUEIMOU O FILME: A carga dramática e a exposição de certas imagens vêm a favor do tema, do tom de denúncia, e fazem acordar, mas podem ser pesadas para alguns espectadores. Algumas dramatizações tiram o realismo e parecem apenas querer acentuar a comoção.

FICHA TÉCNICA:
Direção, roteiro e produção: Theresa Jessouroun
Fotografia: Walter Carvalho
Som: José Louzeiro e Valéria Ferro
Música: Tim Rescala
Consultoria: Julita Lemgruber e Ignacio Cano
Produtor Associado: Alberto Flaksman
Co-produtor: Loenardo Edde (Urca Filmes)
Duração: 90 minutos
Ano de Produção: 2014

Alan Daniel Braga

Publicitário e roteirista de formação, foi de tudo um pouco: redator, produtor, vendedor, clipador, operador de som e imagem, divulgador, editor de vídeos caseiros, figurante e concursado. Crítico, irônico e um tanto piegas, é conhecido vulgarmente como Rabugento e usa essa identidade para manter um blog pouco frequentado (Teorias Rabugentas). Também mantém uma página no Facebook (Miscelânea Rabugenta), com a qual supre a necessidade de conhecer músicas, artistas e pessoas novas. Está longe de ser Truffaut, mas gosta de dar voz aos incompreendidos. (Acesse http://teoriasrabugentas.blogspot.com.br/ e curta https://www.facebook.com/MiscelaneaRabugenta)
NAN