Crítica de Filme | Boyhood – Da Infância à Juventude

Bruno Giacobbo

Algumas experiências cinematográficas deveriam ser realizadas somente uma vez. Lembro bem quando “A Bruxa de Blair” (1999) foi lançado com uma grande campanha de marketing afirmando que aquela era uma história real. Que as imagens dos jovens sumindo, um a um na floresta, eram verdadeiras, originárias de uma câmera deixada para trás. No fundo, todo mundo sabia que era mentira, mas o público gostou de ser tapeado, já que as imagens eram bem convincentes. Depois, veio uma malfadada sequência e filmes como o espanhol “REC” (2007) ou o americano “Cloverfield” (2008). Todos com os seus devidos méritos, entretanto, sem o frescor da experiência original. A mesmíssima coisa pode acontecer, daqui a alguns anos, com Boyhood – Da Infância à Juventude.

Dirigido por Richard Linklater, responsável por trabalhos tão diversos quanto a trilogia romântica composta por “Antes do Amanhecer” (1995), “Antes do Pôr-do-Sol” (2004) e “Antes da Meia-Noite” (2013); ou os alternativos “Jovens, Loucos e Rebeldes” (1993) e “Bernie – Quase Um Anjo” (2011), o longa-metragem acompanha o crescimento do menino Mason (Ellar Coltrane) e levou exatos 12 anos para ser filmado. Durante este tempo, o elenco principal, formado ainda por Ethan Hawke, Patrícia Arquette e Lorelei Linklater, nos papéis de pais e irmã do protagonista, se reuniu 45 vezes, sempre na mesma época do ano, para discutir o rumo da trama, passar o texto e gravar. O resultado final é uma obra sensacional e inovadora.

No geral, Boyhood – Da Infância à Juventude não é um filme com um conjunto de atuações excepcionais. Hawke está bem, mas não mostra mais do que já fez em sua carreira até agora. Inicialmente, as crianças (Ellar e Lorelei) nem parecem estar interpretando. A impressão é que estão sendo elas mesmas. Só com o avanço da história, e com o progressivo amadurecimento delas, é que percebemos a presença de dois intérpretes promissores. Quem realmente brilha é Arquette, de longe a melhor atuação de todo o elenco. Tanto é que ela está cotadíssima para o Oscar de Atriz Coadjuvante. Justíssimo e, como sou fã dela desde ‘Amor À Queima Roupa’ (1993), estou na torcida. Do mesmo jeito, não temos uma película com grandes recursos de maquiagem. Diferentemente de outros filmes que abrangem um extenso período temporal, aqui, é o próprio tempo que se encarrega de envelhecer os personagens. O maior barato desta obra é perceber as mudanças que a passagem dos anos opera nas pessoas.

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Escrito por Linklater, o roteiro fala de situações cotidianas, banais e é desprovido de diálogos inesquecíveis ou marcantes, até porque, não havia nenhuma necessidade deles. Ao narrar o dia a dia de um menino e de seus familiares ao longo de 12 anos, em tempo real, é como se o diretor estivesse contando a história de sua própria família. Ou da minha. Ou da sua, espectador. E histórias reais pouco ou nada têm de fantástico quando comparadas as narrativas hollywoodianas. O que importa são amenidades como as brincadeiras da infância, o relacionamento em casa, na escola ou as alegrias e as dores do primeiro amor. Coisas simples. O entrosamento do elenco, adquirido após tanto tempo trabalhando junto, dá autenticidade ao que assistimos na telona. Lembra uma família de verdade.

Impressionante, em termos cinematográficos, é a edição final do longa-metragem. Se as filmagens levaram mais de uma década para serem concluídas, todo o trabalho de finalização levou quase dois anos. As últimas tomadas foram feitas no verão de 2012 e o filme lançado, nos Estados Unidos, no verão deste ano. Ao juntar tudo o que foi filmado ao longo destes 12 anos, o diretor e sua equipe produziram uma obra coesa, fluida, com praticamente três horas de duração, mas que passa voando, como um piscar de olhos ou um leve sopro de vento, assim como a vida, se não soubermos aproveitar as pequenas amenidades e momentos em família.

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Como escrevi no início, Boyhood – Da Infância à Juventude é uma experiência inovadora, dotada de um frescor único. É uma história comum, que se tivesse sido feita da forma que estamos acostumados, trocando os atores à medida que vão envelhecendo, seria mais do mesmo. No entanto, a coragem, a tenacidade e a originalidade de Linklater o levaram a realizar uma obra-prima simples e perfeita. Daqui para frente, qualquer um que tente fazer algo semelhante não causará o mesmo impacto e parecerá plágio.

Desliguem seus celulares e boa diversão.

BEM NA FITA: A coragem, a tenacidade e a originalidade de Richard Linklater.

QUEIMOU O FILME: Nada.

FICHA TÉCNICA:

Direção, roteiro e produção: Richard Linklater.
Co-produção: Cathleen Sutherland, Jonathan Sehringf e John Sloss.
Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater, Zoe Graham, Nick Krause, Evie Thompson, Chris Doubek e Charlie Sexton.
Fotografia: Lee Daniel e Shane Kelly.
Edição: Sandra Adair.
País: Estados Unidos.
Ano: 2014.
Duração: 164 minutos.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN