Crítica de Filme: Os Dias com Ele

Bruno Giacobbo

Assim como cinema é uma experiência subjetiva, a forma como assistimos a um filme depende de nossas experiências pessoais, grandes cineastas costumam dizer que, muitas vezes, fazem filmes para si. No entanto, ao filmarem deste jeito, correm o risco de realizarem algo extremamente pessoal e inacessível ao restante do público. A chance disto acontecer com Os Dias Com Ele, de Maria Clara Escobar, é grande.

Um dos jovens realizadores que começam a aparecer no cenário nacional, cria da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, Maria escolheu como tema para seu primeiro longa o resgate da memória. Mas que memória? Pois, dito assim, a coisa toda soa artificial e vazia demais. No caso, as lembranças da infância que não teve com o pai, o dramaturgo Carlos Henrique Escobar, que pegou em armas para lutar contra a ditadura e, hoje, mora em Portugal.

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Logo no início da película, Escobar fala que é filho da ausência. A ausência de seus pais, pais que nunca participaram da vida dele e dos dois irmãos menores. Esta situação incômoda levou o trio, um dia, a fugir de casa. Não parece ressentido ao contar isto e não parece se ressentir ao admitir que dos muitos filhos que teve, Maria foi a primeira a ser assumida. Não a única, pois, agora, há um menino chamado Emílio.

A repetição do comportamento paterno se deve, principalmente, ao caminho escolhido pelo dramaturgo durante os anos de chumbo que foram as décadas de 60 e 70, no Brasil. Não devia ser nada fácil trocar tiros com os agentes da repressão e tocar uma família ao mesmo tempo. Por isto, talvez, ele não se ressinta de suas escolhas.

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Como Maria deseja resgatar ou construir, verbo utilizado por ela, uma memória que não teve com o pai, faz-se necessário e fundamental conhecer quem é aquele homem. Neste instante, o resgate de uma infância perdida vira o resgate da memória de todo um país, momento mais traumático da história deste. Afinal, entre todas as marcas que Escobar carrega, as agruras sofridas durante a ditadura são as mais significativas; e para conhecê-lo é preciso conhecer estas marcas também.

Os Dias Com Ele não é um filme fácil. Sua temática dificilmente dialogará com o grande público. A falta de roteiro e a sensação de que a cineasta foi guiada pela máxima de Gláuber Rocha, uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, o tornam acadêmico demais. Se sua curiosidade foi aguçada com que escrevi nos parágrafos acima, vá logo ao cinema, pois vale como experiência em um mercado carente de ousadia cinematográfica como o nosso e, desconfio, terá vida curta nas telonas.

Desliguem os celulares e boa diversão.

BEM NA FITA: A proposta, o tema escolhido para um longa de estreia. A ousadia da jovem cineasta de apenas 25 anos.

QUEIMOU O FILME: A sensação de que falta alguma coisa. Não é só a nítida ausência de roteiro. Parece, e de certa forma é, um filme caseiro. Deste jeito, limita a comunicação com um público mais amplo.

FICHA TÉCNICA:
Direção: Maria Clara Escobar
Elenco: Carlos Henrique Escobar, Maria Clara Escobar, Ana Sachetti Escobar, Emílio Sachetti e os três gatos.
Produção: Paula Pripas.
Som: Maria Clara Escobar e Ricardo Cutz.
Fotografia: Maria Clara Escobar e Bruno Risas.
Montagem: Julia Murat e Juliana Rojas.
Pesquisa: Remier Lion e Lila Foster.
Duração: 107 min.
Ano: 2012.
País: Brasil.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN