Cinema ao Pé da Letra – Parte 16: Espectadores são Ovelhinhas Manipuláveis: Pouca profundidade de campo

Pedro Lauria

Hoje vamos encerrar a primeira parte da discussão sobre Profundidade de Campo (que com certeza será retomada mais a frente). Por isso, nada melhor que finalizar com uma desconstrução de pensamento: “Se o uso da profundidade de campo tem um valor narrativo importantíssimo – o seu uso contrário (pouca profundidade) não surtiria um efeito equivalente?“.
E a resposta é sim.
Tudo no cinema é uma ferramenta linguística nas mãos do diretor. Inclusive abrir mão do foco de quase todos os elementos da cena.
Pra começar, voltemos com aquele esquema – já mostrado – para lembrar o que é a baixa profundidade de campo e seus efeitos.

Como podemos ver nos dois primeiros desenhos, a baixa profundidade de campo nos permite selecionar elementos (dentro do foco) em um plano - de acordo com o seu posicionamento.

Como podemos ver nos dois primeiros desenhos, a baixa profundidade de campo nos permite selecionar elementos (dentro do foco) em um plano – de acordo com o seu posicionamento.


Exemplificando o esquema acima:
Nesta foto temos uma pequena profundidade de campo - permitindo que apenas a 2a Coca Cola fique em foco. Isso pode servir tanto para nos direcionar o olhar (sim, somos ovelhinhas) ou para criar significados.

Nesta foto temos uma pequena profundidade de campo – permitindo que apenas a 2a Coca Cola fique em foco. Isso pode servir tanto para nos direcionar o olhar (sim, somos ovelhinhas) ou para criar significados.


Agora vamos aplicar essa ideia ao cinema.
Neste plano de Tron, o diretor optou por nos direcionar o olhar para o disco segurado pelo protagonista. Além disso, a falta de foco no outro personagem (não a toa com a posição centralizada no meio do disco) pode gerar significações sobre o mesmo.

Neste plano de Tron, o diretor optou por nos direcionar o olhar para o disco segurado pelo protagonista. Além disso, a falta de foco no outro personagem (não a toa com a posição centralizada no meio do disco) pode gerar diversas significações ou sentidos narrativos. Por exemplo: o diretor pode ter optado por gerar uma estranheza antes de revelar que é o personagem; ou pode ser uma opção para caracterizá-lo psicologicamente; ou ainda mostrar o quão turva é a relação entre ambos os personagens da cena.


Agora vamos focar em O Discurso do Rei, um filme que eu considero fraco e repleto de falhas, mas que ainda sim me chama a atenção por um trabalho constante de pouca profundidade de campo.
Centralizado na cena, temos o protagonista, o rei da Inglaterra, caminhando rumo ao desafio de enfrentar um microfone (e sua gagueira). Percebam como o diretor, Tom Hooper, opta por usar a pouca profundidade de campo para distanciá-lo dos seu mentor e de sua esposa. Tal emprego da "falta de foco", mostra que - depois de ser apoiado o filme inteiro por ambos os personagens - agora é a vez dele, tomar o "foco" de suas próprias ações (auxiliado pelo olhar de enfrentamento de Colin Firth, ao contrário dos sorrisos dos outros personagens).

Centralizado na cena, temos o protagonista, o rei da Inglaterra, caminhando rumo ao desafio de enfrentar um microfone (e sua gagueira). Percebam como o diretor, Tom Hooper, opta por usar a pouca profundidade de campo para distanciá-lo dos seu mentor e de sua esposa. Tal emprego da “falta de foco”, mostra que – depois de ser apoiado o filme inteiro por ambos os personagens – agora é a vez do protagonista tomar o “foco” de suas próprias ações (auxiliado pelo olhar de enfrentamento e receio de Colin Firth).


Essa estratégia, também é utilizada no começo do filme - porém com intenções diferentes. Aqui, a pouca de profundidade de campo é usada para distanciar o protagonista do público, criando uma cena "claustrofóbica" - mesmo em um ambiente aberto repleto de pessoas. Não a toa, aqui só temos definição em dois elementos: o protagonista e o seu rival: o microfone.

Essa estratégia, também é utilizada no começo do filme – porém com intenções diferentes. Aqui, a pouca de profundidade de campo é usada para distanciar o protagonista do público, criando uma cena “claustrofóbica” – mesmo em um ambiente aberto repleto de pessoas. Não a toa, aqui só temos definição em dois elementos: o protagonista e o seu rival – o microfone.


Conforme o passar do filme, o foco começa a ser dado principalmente em Firth - esquecendo um pouco o microfone. Ainda sim, o posicionamento dele a frente da câmera, surge como um obstáculo ameaçador.

Conforme o passar do filme, o foco começa a ser dado principalmente em Firth – esquecendo um pouco o microfone. Ainda sim, o posicionamento dele a frente da câmera, surge como um obstáculo ameaçador.


É isso criançada. Nos próximos filmes que assistirem, recomendo que prestem atenção sempre que o diretor mostrar parte do plano desfocado. E então se perguntem: qual é a intenção dele? Direcionar o olhar? Dizer alguma coisa das relações entre personagens? Falar algo sobre um personagem?
Descobrir essas pequenas intenções, ajudam a tornar a experiência do filme ainda mais recompensante.
E até a próxima.

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
NAN