Crítica de Filme | Truman
Bruno Giacobbo
Quem já perdeu um parente próximo ou um amigo querido, com certeza, consegue dimensionar a dor de nunca mais poder estar com aquela pessoa. Eu me lembro bem de quando minhas avós faleceram, contudo, meu convívio com elas não era tão grande assim para que eu sentisse a morte delas de forma visceral. Em compensação, perdi uma grande amiga, minha comadre, vítima de câncer e ela tinha menos de 30 anos. Outro dia, li em algum lugar, e, sinceramente, não lembro onde, que é melhor a dor de ter conhecido e perdido; do que a dor de nunca ter conhecido. Não sei quem é o autor deste pensamento, mas creio piamente que esta pessoa não sabe do que está falando. Truman, do espanhol Cesc Gay, protagonizado por Ricardo Darín e Javier Cámara, esmiúça bem esta situação e vai além.
Julian (Darín) é um ator argentino que vive em Madri. Lutando sem sucesso contra um câncer, desacreditado pelos médicos, ele tomou uma decisão drástica: não fará mais quimioterapia. Thomas (Cámara) vive há muito anos, com a família, no Canadá. Ciente da situação de seu melhor amigo, decide passar quatro dias na Espanha. Ainda que timidamente, sua intenção é fazê-lo mudar de ideia. Na pior das hipóteses será, provavelmente, a última chance de se despedir. Muito mais determinada está Paula, interpretada por Dolores Fonzi, prima do ator. Ela quer fazer alguma coisa para que ele não desista facilmente de viver. E há, ainda, Truman, um cachorrão com jeito de bobão, que não entende nada, mas tem uma permanente cara de tristeza. Irredutível em seu propósito, Julian tem uma segunda ideia fixa que ninguém conseguirá arrancar da sua cabeça: arranjar um novo lado para seu melhor amigo canino.
O grande problema deste tipo de história é o risco dela pender para a pieguice e a trama toda se transformar em um dramalhão choroso. Aqui, graças a Deus (e a Gay, claro) isto não ocorre. O texto está no tom certo e há piadas bem colocadas com o intento de criar alívio cômico. Agora, o fato dos atores principais serem Darín e Cámara, óbvio, ajuda bastante. Ambos aliam, com maestria, a capacidade de fazer drama a uma verve humorística que lhes é natural. Nesta película, o segundo até mais do que o primeiro, consegue desanuviar o clima com um sorriso ou um simples olhar de esguelha. Ainda assim, de vez em quando, aquela lágrima furtiva insiste em aparecer, pois ninguém é de ferro e não dá para passar incólume ao drama do protagonista.
Segundo trabalho conjunto do trio Gay, Darín e Cámara, o outro foi o bom “O Que os Homens Falam” (2012), Truman é rico em demonstração de afeto por parte dos verdadeiros amigos, mas retrata também a solidão da fama. Infelizmente, a sociedade nos mensura por nossa utilidade. Ao longo do filme, à medida que as pessoas vão descobrindo mais sobre o estado de saúde de Julian, as portas vão se fechando lentamente, mesmo que ele ainda tenha condições, por exemplo, de trabalhar. Nesta hora, não há piada ou tirada que resolva. São momentos bastante dolorosos, contudo, nada que estrague a beleza de uma obra extremamente humana ou tire o brilho desta viagem pelas calles e plazas de Madri, ao som de uma trilha sonora de arrepiar.
Desliguem os celulares e excelente diversão.
(Filme assistido no 17º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro).
FICHA TÉCNICA:
Direção e roteiro: Cesc Gay.
Co-roteirista: Tomàs Aragay.
Produção: Marta Esteban e Diego Dubcovsky.
Elenco: Ricardo Darín, Javier Cámara, Dolores Fonzi, Alex Brendemühl, Javier Gutiérrez, Eduard Fernández, Elvira Mínguez, Silvia Abascal, Nathalie Poza, José Luis Gómez, Pedro Casablanc, Francesc Orella, Oriol Pla, Ana Gracia, Susi Sánchez e Àgata Roca.
Trilha Sonora: Nico Cota e Toti Soler.
Direção de Fotografia: Andreu Rebés.
Duração: 108 minutos.
País: Espanha.
Ano: 2015.