Crítica de Filme | História de Minha Morte

Tatiana Reuter

Difícil mesmo. História de Minha Morte conta os momentos finais de Giacomo Casanova, um escritor e aventureiro do século dezoito, de alguma maneira filósofo e sedutor. Contando assim, lembramos da figura e um ou outro filme foi baseado em sua vida, mas o complicado aqui é encontrar forças dentro de si para permanecer assistindo esta produção do catalão Albert Serra.

Quando vemos um filme bom ou razoável, somos levados por ele como numa maré baixa. Os sentimentos que ele nos provoca, majoritariamente calculados por seu diretor – Hitchcock era um especialista nisso – nos fazem percorrer sua duração e saímos dizendo que não vimos o tempo passar, que pareceu curto, e ficaríamos outras duas horas ali sentados para uma história tão original. Mas o que pensar de um filme que busca o contrário, que exprime um tédio que nos faz sentir a poltrona nos engolindo, que cada gole de água parece durar dez minutos e que se contarmos no relógio sofreremos a ilusão do estiramento do tempo? Mas, mais do que isso: qual é o objetivo desta provocação?

Não foram poucas as críticas que seguiram este pensamento, de um filme que se pretende denso, mas na verdade é vazio, com os clichês sexuais de um libertino cuja moral é uma palavra para si desconhecida e que, nem nisso aprofunda, nos relegando imagens supostamente provocantes que, a esta altura, pouco efeito produzem. Ao mesmo tempo, este mesmo filme ganha Locarno e a disparidade entre uma premiação e a péssima recepção do público nos deixa a pensar.

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Estamos nos últimos dias de Casanova (Vicenç Altaió), o título do filme remete ao livro deste, “A História de Minha Vida”, suas memórias amplamente reconhecidas como uma grande obra, fascinante, registro de uma época. Casanova conviveu com grandes nomes da cultura, mas nada disso importa aqui, o máximo que se apresenta é uma carta de Voltaire e alguma menção à Rousseau. Sua vida parece uma rotina de prazeres à espera de algum grande acontecimento que nunca chega. As mulheres parecem estar ali apenas para satisfazer seus desejos, sua rotina se alterna entre comida, sexo e defecação. A escatologia remete à Saló (1975, Pasolini), mas nada surpreende mais do que a presença de Drácula (Eliseu Huertas). Sim, o vampiro que poderia trazer algo de sobrenatural, de uma sedução propriamente dita em oposição ao protagonista histriônico, surge tão lento quanto o primeiro, com forte maquiagem e se arrastando em direção às mesmas mulheres, agora vítimas com pescoços à disposição. Claro, percebe-se a pulsão da morte encontrando o sexo e há o confronto de época entre o racionalismo e o romantismo nos dois personagens, mas ainda com algum esforço de interpretação.

A fotografia parece ser o que há de mais extraordinário, dividindo claramente o filme nos períodos de luz – Casanova em seu castelo – e sombra, a chegada do vampiro e os dias finais na floresta. Entretanto, todo o resto parece faltar: diálogos pontuados, atuações marcantes, narrativa fluida. À exceção de seu amigo-vassalo Pompeu (Lluis Serrat), o que parece proceder melhor em seu personagem – além do protagonista – com uma naturalidade mais coerente com o entorno, as mulheres parecem estar num hiato constante, numa espera de qualquer coisa, de sua morte ou da manifestação de um desejo tardio.

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Nada aqui é por acaso e este complicado filme pode ter sua razão de ser: ao fim da vida, talvez não restasse muito mais do que tédio e galhofaria, talvez a personagem buscasse esse prazer que se mostrava cada vez menos suficiente, mas sempre fundamental. O fato é que passamos esta duração aguardando uma cena que se conecte organicamente à que lhe sucede e não vemos essa costura bem feita.

Albert Serra apostou alto no filme, acreditando na intelectualidade de seus espectadores, mas talvez os únicos que tenham efetivamente apreciado a obra tenham sido os jurados de Locarno e seus pares. O tédio do século XVIII foi perfeitamente expressado aqui, reafirmando a necessidade hedonística de um homem educado como eclesiasta que escolheu uma vida livre e custosa à Inquisição da época. Talvez esperássemos um filme menos galhofeiro, que trouxesse o mistério que se apresenta no trailer e na primeira sequencia. Ali sim, ficamos desejosos, à expectativa de um filme poético, diferente, interessante, com um ritmo incomum. Aqueles filmes que devemos apreciar com cuidado.

História de Minha Morte nos fixa na cadeira porque desejamos montá-lo em nossas cabeças, à espera de algo que se conclua grandiosamente, que não se sustenta. Em determinado momento, nos perguntamos o porquê daquilo tudo e não vemos luz, além de confirmar uma pretensão delirante de seu diretor. De alguma forma, sobrevive uma curiosidade de ver o restante da filmografia e, de repente, apreciar um olhar distinto do que estamos acostumados. Ainda assim, com todo esse vazio e tédio, o filme persiste em nós como uma peça intrigante, curiosa, que não necessitaria destes 148 minutos, mas que nos prende em grandes imagens que nos deixa inquietos e, em alguma instância, reflexivos.

FICHA TÉCNICA:

Gênero: Drama
Direção: Albert Serra
Roteiro: Albert Serra
Elenco: Clara Visa, Clàudia Robert, Eliseu Huertas, Floarga Dootz, Lluís Carbó, Lluís Serrat, Mike Landscape, Montse Triola, Noelia Rodenas, Rosa Tharrats, Vicenç Altaió, Xavier Pau
Produção: Albert Serra, Thierry Lounas
Fotografia: Jimmy Gimferrer
Montador: Albert Serra
Trilha Sonora: Enric Juncà, Ferran Font, Joe Robinson, Marc Verdaguer
Duração: 148 min.
Ano: 2013
País: Espanha / França
Cor: Colorido
Estreia: 25/02/2016 (Brasil)
Distribuidora: Supo Mungam Films
Estúdio: Andergraun Films / Capricci Films / Televisió de Catalunya (TV3)

Tatiana Reuter

Baiana residente no Rio. Produtora na tv, cineasta por formação. Vivo a base de vinho, pimenta e café forte. Escrevo no extraforte.blogspot.com e sou pós-graduada em Cinema Documentário. Programo o ano entre feriados e viagens e trafego entre Beatles e Gonzagão, fotos e livros.
NAN