CRÍTICA | Baseado em música de Caetano Veloso, ‘A Bruta Flor do Querer’ vale o investimento
Tatiana Reuter
É no calor do momento e com o benefício da crítica de filme que posso escrever sobre o A Bruta Flor do Querer antes de seu lançamento e, em oposição a outros que tenho assistido e me permitido um tempo para digerir, venho para o texto logo após a sessão, com um aperto no peito de qualquer coisa nova que não conseguimos definir (e precisamos?) de imediato.
O longa conta a história de Diego (Dida Andrade), um cara arrogante como todo recém-formado em cinema, que ganha a vida filmando casamentos e se apaixona por Diana (Diana Motta), a garota que trabalha em um sebo. Com um melhor amigo (Andradina Azevedo) colado em todos os momentos, vive a crise dos vinte e poucos, daqueles que saem da faculdade com curtametragens na mão, nenhum dinheiro e uma necessidade de viver um sonho de qualquer coisa se confrontando com a realidade da falta de trabalho e do pagar as contas do cidadão comum. Essa é a vida de muitos recém-formados de quase qualquer profissão, a queda para a realidade do mercado de trabalho e a saída do conforto universitário, a ruptura daquele cordão umbilical que nos mantém estudantes por um mínimo de quatro anos. Dida e seu amigo não são personagens por quem nos apaixonamos, não há margem para isso, mas sim, alguma empatia em suas crises e na transformação por que passa o protagonista.
Feito sem edital, com o apoio e financiamento de amigos e baixo orçamento, é no mínimo maravilhoso ver uma produção realmente independente de qualidade. O filme é simples, com poucas locações e personagens e não carece de muito mais. Merten evoca Truffaut, como um possível admirador destes diretores-protagonistas e não é à toa: a proposta não difere muito do conceito da nouvelle vague francesa, com outros jovens reunidos cheios de ideias para aplicar com pouca grana. Além disso, o viés romântico, a realização de um amor platônico, a saída para o que decorre disso. Aqui há uma sujeira urbana, um viés que não é marginal, mas se tenta algo parecido, reclamando da caretice dos outros, da aparente normalidade do mundo e de uma manutenção forçada de um padrão de viver e seus conceitos de sucesso. Essas referências são também de ato e não só de discurso, então drogas, brigas, festas e sexo representam fielmente este estado de coisas, bem como a independência da família, que inexiste no filme por não representar naquele instante nenhum fator preponderante na vida do jovem. É claro que as discussões são repertório da crise da idade, do acúmulo de frustrações e da não tão longínqua adolescência rompida a fórceps no pós-faculdade. Faz parte.
A Bruta Flor do Querer é trecho de O Quereres, de Caetano Veloso. A música já traduz em grande parte o clima do filme, ainda que o ritmo animado do cantor não encontre reverberação neste visceral e doído. Não é um drama de chorar, mas de apertar o peito, já que muito do que está ali é vivido por todos em um determinado momento da vida. As tragédias pessoais e a própria objetificação da mulher não são irreais – não entrando no mérito do certo e errado, porque isso é muito óbvio para ser discutido neste momento – já que tanto os mocinhos-bandidos quanto as mocinhas-não-inocentes se posicionam assim em determinado momento da vida, mesmo que seja sem querer e nesta história são tudo, menos vítimas ingênuas. O Quereres mostra o que somos e o que almejamos; esse paradoxo é parte (senão essência) da vida, e ali me parece honesto. Talvez seja essa a qualidade do filme, por fim.
A desconstrução da quarta parede é um artifício sempre arriscado que pode funcionar como uma grande surpresa e ser um ganho aos espectadores ou, se mal usada, frustrará a todos e sairá como amadorismo, ruptura desnecessária, quebra da ilusão narrativa. Aqui ela é quebrada progressivamente, de forma que temos tempo para perceber seu objetivo e não se torna um estorvo. Em um momento me perguntei se não seria uma saída de um roteiro sem fim, mas não faz diferença agora, já que o filme se conclui bem. Lançado em 2013 em Gramado, parece só ter conseguido distribuidora agora e por isso entra em cartaz esta semana. Vale o investimento, nem que seja para se surpreender com lindas cenas de um conturbado cara apaixonado e uma trilha sonora impecável.
TRAILER:
FICHA TÉCNICA:
Gênero: Drama
Direção: Andradina Azevedo, Dida Andrade
Roteiro: Andradina Azevedo, Dida Andrade
Elenco: Andradina Azevedo, Arua Maroni, Clara Andrezzo, Daniele Rosa, Danilo Grangheia, Diana Mota, Dida Andrade, Fernanda Galvão, João Federici, Nara Lobo, Sue Nhamandu
Produção: Andradina Azevedo, Bia Vilela, Dida Andrade
Fotografia: Gallo Rivas
Montador: Pedro Silva
Trilha Sonora: Arthur Decloedt
Duração: 76 min.
Ano: 2014
País: Brasil
Cor: Colorido
Estreia: 07/04/2016 (Brasil)
Distribuidora: O2 Play
Estúdio: Filmes da Lata
Classificação: 16 anos