CRÍTICA | ‘O Diabo Mora Aqui’: Possui um roteiro lento e confuso, porém se distingue das demais produções nacionais
Bruno Cavalcante
Depois de ter sido muito bem recebido pelo público da 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais, e de ter recebido o prêmio de ‘Melhor Filme Estrangeiro’ no Festival Internacional de Cinema FilmQuest, em Utah, nos Estados Unidos, o longa de terror brasileiro “O Diabo Mora Aqui“, finalmente chega de vez para o nosso público.
O ousado projeto de Rodrigo Gasparini e Dante Vescio foi exibido ontem, aqui no Rio de Janeiro, em uma sessão especial no lendário Cine Odeon (hoje conhecido como Centro Cultural Luís Severiano Ribeiro). Na ocasião, tivemos um público bastante seleto, composto por pessoas curiosas, amigos dos produtores e pessoas captadas através da divulgação do evento no Facebook.
A primeira coisa quando se pensa em um filme de terror feito aqui no Brasil, pelo menos é o que eu tenho ouvido por aí, é de que geralmente essas produções são pobres, mal feitas, de gosto duvidoso e que não valem o esforço de uma sessão no cinema (até porque o cinema tá caro pra caramba!). E eu até posso concordar que o Brasil de fato não é um potência quando falamos do cinema de horror, mas acredito que isso vem mudando de uma maneira bem gradativa, e os recentes “Quando eu Era Vivo” (2014) e “O Caseiro” (2016), são uma prova de que estamos começando a tentar sair da pegada trash tupiniquim, para um terror um pouco mais robusto e de qualidade.
“O Diabo Mora Aqui” traz em sua trama quatro jovens, que decidem passar um final de semana em uma velha fazenda no interior. O local, na época da escravidão, pertenceu a um cruel fazendeiro, que maltratava seus escravos de forma bastante brutal, o que acabou fazendo com que uma maldição viesse a cair sobre ele, perdurando até os dias de hoje. Os jovens, por sua vez, acabam libertando esse mal centenário que habita o local, e, por conta disso, precisam lutar para poderem sobreviver.
Em uma entrevista concedida no ano passado após o festival de Tiradentes, o diretor Dante Vescio havia dito: “No Brasil, ou o gênero de terror caminha para algo com cara de ‘filme de arte’, no qual o medo é abandonado em nome de um estilo, ou ele caminha para algo trash”. No entanto, após a sessão de “O Diabo Mora Aqui“, cheguei a conclusão de que não sei se estamos tão longe assim dessas referências citadas pelo diretor. O certo é que a produção não assustou e nem chegou a caminhar para a arte, e ficou apenas no cine trash.
As referências de Vescio e Gasparini são bem claras neste filme, e nos remetem à uma mistura de vários outros títulos gringos como “A Vila“(2004), “Sexta-Feira 13” (1980) e “Ouija – O Jogo dos Espíritos“(2014), ou qualquer outro título sobre casas mal assombradas e rituais satânicos. Todavia, este nunca foi um problema do longa, digo até que seja um plus para boas cenas de susto, que não aconteceram como eu esperava.
“O Diabo Mora Aqui” é um tipo de filme que possui uma proposta interessante, possui até um orçamento ou uma criatividade significativa para a realização de um bom filme de terror, mas se perde no meio do caminho. Além de não darem conta dos vários elementos inseridos no longa, deixaram muitas lacunas em pró de um cinema “inovador” em terras brasileiras. A começar pelo roteiro completamente confuso, lento e bastante cansativo. Em certos momentos parecia que algumas cenas não iam acabar jamais, pois a dinâmica nos diálogos dos personagens era tão vagarosa, que a todo momento dava vontade de pedir para avançarem para a cena seguinte. O sustos também não foram o ponto forte do filme, afinal, acho que sequer existiram. Talvez tentaram focar mais no clima sombrio garantido pela excelente trilha sonora e o casarão escuro, ao invés de apostarem no clímax de horror em si.
E por falar no clímax do filme, quando disse que o longa havia se perdido não foi atoa. Em um dos exemplos que posso citar, teve um no qual eu me senti como um cego em meio a um tiroteio, quando, na parte “alta” da trama, o sentimento de aflição foi totalmente cortado após revelarem a identidade do vilão. Toda a expectativa que eu havia cultivado depois de todo aquele alvoroço de portas e janelas batendo, acabou caindo por terra devido um erro grotesco de estética. E por conta disso, deixaram de focar na parte mais importante para uma produção do gênero, a imaginação do expectador.
As atuações não foram tão boas, mas também não chegaram a ser ruins. Destaco o trabalho de Ivo Muller como o Barão do Mel e o de Clara Verdier (Magu). Esses foram gratas surpresas. Já Mariana Cortines (Alexandra) e João Pedro Carvalho (Apolo) passaram longe de terem tido uma interpretação razoável, mas sim repleta de clichês e expressões catatônicas.
E para não falarem que sou um carrasco com produções nacionais (não sou mesmo!), posso dizer muito sobre a qualidade da produção no sentido técnico em alguns aspectos. A exemplo disso temos a excelente trilha sonora do longa, que soube se apropriar de elementos característicos do terror internacional. A sonoplastia funcionou muito bem e me remeteu aos clássicos dos anos 70 e 80, e até ao recente e aclamado “A Bruxa” (2015). Já a fotografia, pra mim, foi o ponto alto da película, muito bem trabalhada e com um olhar altamente artístico. Isso sim foi uma novidade para os filmes não só de terror no Brasil, mas de outros gêneros também.
“O Diabo Mora Aqui” definitivamente não é uma obra prima, possui muitas falhas, claro, todavia serve como mais um aprendizado e um incentivo para o crescimento das produções do cinema de terror no Brasil. E que venham muito mais!
TRAILER
Ficha Técnica
Título original: O Diabo Mora Aqui
Direção: Rodrigo Gasparini e Dante Vescio
Roteiro: Guilherme Aranha, Rafael Baliú e M.M. Izidoro
Produção: Marcelo Izidoro
Elenco: Mariana Cortines, João Pedro Carvalho, Sidney Santiago, Ivo Muller e Clara Verdier
Fotografia: Kaue Zilli
Direção de Arte: Tatiana Curto e Natalia Thomsen
Música: Pedro Salles Santiago
País: Brasil
Data de estreia: em breve
Distribuição: Marluco Visão /Artsploitation Films