Crítica de Filme: Flores Raras

Alan Daniel Braga

Quem foi Elisabeth Bishop? A obra da poetisa norte-americana, vencedora do Pulitzer de literatura, é realmente mais conhecida em seu país de origem e poucos brasileiros hoje sabem quem foi e que livros ela escreveu. Poucos sabem que a escritora viveu no Brasil nas décadas de 50 e 60. Mais raros são os que sabem da relação amorosa de Bishop com a carioca Carlota (Lota) de Macedo Soares. Por fim, poucos são aqueles que sabem quem foi Lota de Macedo Soares e a importância que ela teve para a atual arquitetura da cidade do Rio de Janeiro. Flores Raras, longa-metragem de Bruno Barreto, produzido pela LC Barreto e pela Globo Filmes, vem suprir um pouco todo esse desconhecimento.

O filme, estrelado por Glória Pires e Miranda Otto, é baseado na realidade e, como de praxe, adapta muitos fatos para que a narrativa fique redonda. Talvez seja esse um de seus méritos. Não presos a acontecimentos, o intuito de Bruno Barreto, Lucy Barreto, produtores e roteiristas é esmiuçar quem eram aquelas mulheres, que se atreviam a viver o amor em uma época mais “conservadora”, e, principalmente, contar a história de duas mulheres que, conforme o próprio diretor explicou em entrevista coletiva (leia mais aqui), evoluem em direções opostas e lidam com a perda de formas diferentes.

Flores-Raras atores

Apesar de um ou outro deslize, uma ou outra apresentação forçada, o roteiro constrói bem as personalidades e os conflitos que surgem a partir da dinâmica estabelecida. A relação afetiva entre mulheres, um triângulo amoroso, a adoção de crianças e a formação de uma família pouco ortodoxa são alguns dos temas que ajudam a aproximar o público de hoje da história. Enquanto somos levados por estes temas, nasce uma curiosidade real pelas personagens, por saber mais do que é ou não real, por ler as poesias de Bishop ou saber mais detalhes da construção do Parque do Flamengo. (Este, aliás, é um dos pontos que mais pode gerar dúvida ou polêmica, visto que Lota recebe o devido enaltecimento pela obra, mas, como não há tempo para ‘aprofundamento’, fica a impressão de que fez tudo sozinha.).

Flores-Raras atrizesA maior força do filme, no entanto, não está apenas na história ou na atualidade dos conflitos, mas na força das atrizes principais. Miranda Otto retrata a personalidade fria, insegura e retraída de Bishop com sutileza. Glória Pires é Glória Pires e entra para contrastar com uma Lota mais objetiva, expansiva e forte. Ambas se completam e dão conta do recado muito bem, embora o desafio de Glória seja maior, visto que o filme é quase todo falado em inglês. No meio delas ainda temos Tracy Middendorf, o elemento íntimo e, ao mesmo tempo, desagregador da relação, que – em função de sua situação e personalidade – precisa elevar e manter o tom de dramaticidade do filme.

As cenas de intimidade do casal protagonista somam mais pontos ao filme. Não há exagero nem pudor na direção e a medida é natural, sem motivos para moralizá-las ou panfletá-las, indo sempre a favor da dramaturgia. A direção de Bruno, aliás, mostra o tempo todo um amadurecimento também natural.

Destaques valem ser dados também à trilha sonora e aos efeitos especiais. Além de se tornarem elementos cênicos ou dramatúrgicos (cantarolemos ‘Kalu’ com a alegre Lola), as músicas ajudam a ambientar a época e delinear a passagem de tempo, sem a necessidade frágil de legendas. Os efeitos especiais, por sua vez, ajudam a voltar mais de 50 anos e resgatar o Rio de Janeiro da época. Alguns são muito perceptíveis (e duros), outros fluem mais naturalmente.

flores-r

Flores Raras chega às telas sem muito alarde, discreto, como Bishop e sua história. Para ser sincero, o filme foi uma grata surpresa, visto que não esperava muito (principalmente depois das últimas produções de Bruno Barreto). Fica a torcida para a descoberta de mais mundos, mais histórias e mais abordagens como ou maiores que essa.

QUEIMOU O FILME: Algumas apresentações forçadas, um ou outro efeito. (E que fim levou Burle Marx?)
BEM NA FITA: As atrizes, a trama bem construída, temas atuais e a naturalidade com que são abordados.
FICHA TÉCNICA:
Direção: Bruno Barreto
Elenco: Miranda Otto, Glória Pires, Tracy Middendorf, Treat Williams, Marcelo Airoldi, Lola Kirke, Tânia Costa, Marianna Mac Niven , Marcio Ehrlich, Anna Bella , Sophia Pavonetti,
Roteiro: Carolina Kotscho, Matthew Chapman
Produção: Lucy Barreto, Paula Barreto
Fotografia: Mauro Pinheiro
Trilha Sonora: Marcelo Zarvos
Gênero: Romance, Drama
Duração: 1h 58min
Ano de lançamento: 2013
Classificação etária: 16 Anos
Estreia no Brasil: 16 de agosto.
Mais informações, acesse a fan page do filme no Facebook.

Alan Daniel Braga

Publicitário e roteirista de formação, foi de tudo um pouco: redator, produtor, vendedor, clipador, operador de som e imagem, divulgador, editor de vídeos caseiros, figurante e concursado. Crítico, irônico e um tanto piegas, é conhecido vulgarmente como Rabugento e usa essa identidade para manter um blog pouco frequentado (Teorias Rabugentas). Também mantém uma página no Facebook (Miscelânea Rabugenta), com a qual supre a necessidade de conhecer músicas, artistas e pessoas novas. Está longe de ser Truffaut, mas gosta de dar voz aos incompreendidos. (Acesse http://teoriasrabugentas.blogspot.com.br/ e curta https://www.facebook.com/MiscelaneaRabugenta)
NAN