CRÍTICA | ‘Do Pó da Terra’ mostra a transformação do barro em obras de arte

Giselle Costa Rosa

Rodado no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, região conhecida por seus baixos indicadores sociais e por possuir características do sertão nordestino, o documentário Do Pó da Terra, de Maurício Nahas, mostra como principalmente as mulheres locais transformam o barro em obras de arte por meio da cerâmica. São retratadas também as condições precárias de vida na região, registrando a ambiguidade que contrapõe a pobreza material à criatividade dos artesões.

A relação entre a natureza, o barro – essa substância que vem da terra, que vem do pó -, com os moradores do Vale do Jequitinhonha é bem abordada pelo documentário. O barro não é visto somente como matéria-prima pra peças de cerâmica. Existe toda uma relação entre esse material e o Ser Humano, a começar pelos indígenas aqui representados pela etnia Maxakali. Logo nos minutos iniciais é explicado a ligação existente entre o manusear do barro e as pessoas, assim como sua importância na cultura indígena e  o apropriamento do mesmo pelos brancos.

O manuseio do barro é visto também como uma terapia, além de um gerador de renda, ainda que pequena. A tradição disseminada no povo local ajuda a manter as famílias que ali residem,  já que a região do Vale é bem precária de outras oportunidades. Por isso, os mais novos ao invés de ficar e perpetuar a tradição, resolvem após o término do ensino médio, tentar a sorte em São Paulo.

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O barro ainda ajuda a subverter a tradição patriarcal. A maioria das pessoas que trabalha com essa matéria-prima é mulher. E como não existem outras oportunidades, além de uma lavoura restrita, ocorre uma troca de papéis de gênero nas famílias. O homem passa a cuidar da casa e dos filhos, enquanto a mulher faz a cerâmica para vender e sustentar a casa. O que é visto com muita naturalidade pelos que adotam esse modelo.

Maurício Nahas, em seu primeiro longa, trabalha apenas como observador, deixando a história sobre os artesões e o local falarem por si. Ele consegue deixar  seus entrevistados muito à vontade em frente às câmeras, de uma forma muito natural, extraindo deles um expressar de  sentimentos de maneira clara e objetiva, sem ser piegas ou caricato. E ainda consegue mesclar bem isso às cenas das paisagens naturais.  O roteiro de Di Moretti (O Velho – A História de Luiz Carlos Prestes , 1997) contribui para essa fluidez, deixando claro que apesar de todas as dificuldades expostas, os moradores vivenciam uma felicidade mais contemplativa e menos consumista.

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A ressalva fica por conta da montagem que não foi muito eficiente ao fazer a ligação das sequências. Ao contemplar a história de vida de várias pessoas, algumas passagens acabaram ficando confusas em suas transições de cenas que retratam o povo aguerrido e talentoso da região do Vale do Jequitinhonha que impressiona pela criatividade do trabalho executado nas peças tradicionais e mais vanguardistas. São peças retratando a paisagem, os animais, os afazeres cotidianos, os seres imaginários e as tradicionais noivas, muitas vezes sem par, representando as mulheres locais que ficaram sozinhas por conta da partida de seus maridos em busca de trabalho. Com tamanha beleza, fica impossível não ser tocado pela arte ali realizada. Nas cerâmicas que são vendidas vão sonhos, o reconhecimento como artista, a expressão dos sentimentos vividos e a representatividade de uma cultura que periga desaparecer por falta de interesse dos mais jovens e dureza de se viver com tão poucos recursos.

Do Pó da Terra é pura sensibilidade e beleza ao retratar um lugar que padece de recursos do Estado, tirando-nos dos trilhos pós-modernista, trazendo à baila situações e imagens tão distantes do dia a dia usual das grandes cidades.

::: TRAILER


::: FICHA TÉCNICA
Título: Do Pó da Terra
Direção: Mauricio Nahas
Produtor: Fernando Machado
Roteiro: Di Moretti
Fotografia: Rodrigo Carvalho
Montagem: Tatiana Toffoli
Música: Cézar Brandão
 

Giselle Costa Rosa

Integrante da comunidade queer e adepta da prática da tolerância e respeito a todos. Adoro ler livros e textos sobre psicologia. Aventuro-me, vez em quando, a codar. Mas meu trampo é ser analista de mídias. Filmes e séries fazem parte do meu cotidiano que fica mais bacana quando toco violão.
NAN