Crítica de filme: “Argo”
Colaboração
*****Colaboração de Pedro Lauria– contém spoilers*****
Argo conta a história de Tony Mendez (Ben Affleck), agente da CIA que tem como missão resgatar seis americanos refugiados na casa do embaixador canadense, em plena revolução iraniana de 1979. O plano? Através da fachada de um (falso) filme de ficção científica, (que empresta o nome a película) viajar até a capital, Teerã, – alegando uma pesquisa de locações – e na volta, trazer os refugiados como se fossem parte da equipe.
Por se estabelecer como uma história inacreditável demais para ser real, apesar de verídica, é notável a preocupação do também diretor, Ben Affleck, em criar uma aura de veracidade que permeia toda obra. Para isso ele recorre ao uso intensivo de imagens e filmagens da época, além de inserts visuais que informam o local e o dia em que se passam cada acontecimento. Tal recurso se mostra válido uma vez que o filme se estrutura em três lugares diferentes, o que poderia causar alguma confusão geográfica no espectador. Entretanto, é notável também uma certa redundância, como quando um letreiro revela que os personagens estão na embaixada canadense, para logo na cena seguinte recebermos a mesma informação pela boca de um personagem.
O fato da obra se estruturar em três núcleos diferentes se mostra um desafio interessante para Affleck, na tutela de diretor. Afinal, a obra dá a ele a oportunidade de trabalhar três gêneros diferentes, ligados diretamente com os locais onde se passa a trama: um thriller político passado em Washington; um drama claustrofóbico, no que se diz aos refugiados no Irã; e uma farsa, passada em Hollywood (que remete ao clássico “Ser ou não ser” de Ernst Lubtsch). Para auxiliá-lo na empreitada, o diretor de fotografia Rodrigo Prieto, contrasta os tons sóbrios de Washington e Teerã, com as cores fortes e quentes de Los Angeles, auxiliando nessa diferenciação.
Esta complexa estrutura, por si só, poderia ser desastrosa nas mãos de um diretor menos competente, mas em Argo soa de forma orgânica, possibilitando que as passagens de um núcleo para o outro soem naturais, sem que nenhuma delas fique obscurecida ou se sobressaia demais. Méritos, é claro, para a montagem, que também se destaca ao respeitar o timing das cenas, alternando os cortes lentos de cenas mais reflexivas, como por exemplo na conversa entre os personagens de Affleck e Alan Arkin sobre paternidade, com os momentos de tensão repletos de cortes rápidos, como na cena da invasão logo no começo do filme.
Inclusive, é interessante apontar como a tensão, essencial para o funcionamento do filme, é construída de forma por vezes tradicional, se utilizando de recursos competentes, porém batidos. Então, quando um personagem está para ter seu passaporte carimbado, e o clima de suspense é controlado por um gradual crescendum da trilha sonora (composta pelo veterano Alexander Desplat), fica claro que ele logo será interrompido pelo ruidoso som do carimbo sendo conferido.
Vale um parágrafo para discutir a importância da televisão na trama. A presença de televisores é massiva durantes os dois primeiros atos do filme – uma menção atualíssima ao papel da TV (e hoje, da Internet) nas crises políticas e conflitos civis. Não é a toa em que dado momento o personagem de Bryan Cranston diz para Mendez que o “Mundo inteiro está lhe observando“. E através desses aparelhos Affleck cria o panorama político através de transmissões da época, evitando dessa forma o uso extensivo de diálogos expositivos, além de nos dar um dos melhores cortes do filme – quando acompanhamos um garçom em Los Angeles, por meio de um longo travelling que acaba em uma TV, nos ligando diretamente a Washington.
Se tratando de um filme de época é impossível não comentar sobre o figurino e a direção de arte que se destacam pela fidedignidade, e que, por vezes, nos fazem pensar estar assistindo a uma obra do final dos anos 70. Além de revelar um pouco sobre cada personagem, esses dois setores também são responsáveis pelas divertidas homenagens do filme aos clássicos da ficção científica como Star Wars, Star Trek e Planeta dos Macacos.
Todavia, Argo também apresenta alguns problemas. Destaco aqui seu exagerado clímax, que inclui clichês como personagens atendendo telefonemas de última hora e, pior ainda, carros ameaçando falhar na “hora H”. Outro ponto que não pode ser desconsiderado, foi a indecisão sobre o que fazer com o background pessoal do personagem de Affleck. São feitas algumas sugestões de um possível alcoolismo, nunca muito aprofundadas, além de tentativas de criar a imagem de um pai ausente – o que gera as duas cenas mais cafonas da película: a primeira, quando o personagem preenche um cartão postal desejando feliz aniversário ao filho, e a segunda quando Mendez tira sua aliança e coloca em frente a um porta retratos da família. Irônico é pensar que devido à maior competência de Affleck como realizador do que como ator, ter evitado se aprofundar na complexidade emocional de seu personagem pode ter sido a mais acertada das decisões.
Argo, escrito pelo estreante Chris Terrio, baseado em um artigo de Joshuah Bearman é o filme mais ousado de Ben Affleck, e, por isso, o que melhor demonstra suas qualidades como realizador. Em um ano que chama a atenção pelos filmes de conteúdo político (como Lincoln, Django Livre e A Hora mais Escura, todos concorrentes ao Oscar de melhor filme), Argo se destaca justamente por apresentar uma abordagem mais centrada, que foge do maniqueísmo sem cair na crítica completa e irrestrita da conturbada política americana.
BEM NA FITA:
– Recriação fidedigna dos anos 70/80
– Três narrativas sólidas com suas próprias peculiaridades
– Elenco experiente e competente
– Montagem inteligente, não deixa que nenhum núcleo do filme se sobreponha aos outros
– Suspense; Drama; Farsa – tudo em um único pacote
QUEIMOU O FILME:
– Clímax exagerado, apelando para clichês; Background insosso do protagonista
FICHA TÉCNICA:
Diretor: Ben Affleck
Elenco: Ben Affleck, Bryan Cranston, Alan Arkin, John Goodman, Victor Garber, Tate Donovan, Clea DuVall, Scoot McNairy, Rory Cochrane, Christopher Denham
Produção: George Clooney, Grant Heslov, David Klawans
Roteiro: Chris Terrio
Fotografia: Rodrigo Prieto
Duração: 120 min