CRÍTICA | ‘O Filho de Joseph’ coloca em pauta a paternidade com as cores e o glamour da ficção

Bianca Moreira

As relações familiares sempre foram inspiração para as artes. Na história do cinema é comum encontrarmos a família idealizada e maquiada, mas há também a família em sua forma desestruturada, com suas feridas expostas. E é essa última vertente conflituosa e carregada de carga emocional que está presente em O Filho de Joseph, o mais recente filme de Eugène Green.

Preocupado com uma leitura poética dos sentimentos às vezes indomáveis que governam relações familiares, esse longa trabalha simbolicamente a figura do pai em sua ausência.  Essa temática permite que possamos conectar O Filho de Joseph a  filmes latinos americanos que também tratam da inexistência da figura paterna, uma realidade mais comum em nossa história.

O personagem central é Vincent, um adolescente de 15 anos que vive bem com a mãe, mas está insatisfeito por desconhecer o pai. Até que encontra uma carta em sua casa que revela o nome de seu progenitor. A partir daí, Vincent fica obcecado em descobrir mais sobre a vida e personalidade do mesmo. Descobre que Oscar Pormenor, seu pai, é um editor renomado. Então começa a frequentar os eventos promovidos por Pormenor e  invade diversas vezes seu escritório profissional apenas para observá-lo. Conforme o tempo passa, a curiosidade dá lugar a decepção e ao ódio.

Paralelamente, o quadro “Sacrifício de Isaque” de Caravaggio, que repousa no quarto do menino sempre aparece entre uma cena e outra. A obra remete ao sacrifício de Abraão, história bíblica. A cena representada é a que o Anjo pede a Abraão que não mate seu filho instantes antes que o mesmo o execute.

A pintura funciona como uma espécie de metáfora ao enredo do filme. Oscar, ao descobrir que a mãe de Vincent estava grávida pediu a ela que abortasse ou então a deixaria e Vicent, ao descobrir quem realmente é seu pai, tentou matá-lo, recriando a cena do quadro ao colocar uma faca no pescoço de seu pai.

O pai, dele e de outros 4 filhos, com os quais têm o mínimo contato apesar de serem fruto de seu casamento,é a ponta de amarra com a pomposa sociedade literária francesa, decadente, excessivamente maquiada, artificial e fofoqueira, delirante mesmo sobre que autores estão vivos.

Muitos críticos abordou esse filme pelas vias do maniqueísmo simplista ou pela narrativa forçosamente alicerçada pela simbologia cristã. No entanto, o dualismo de trajetórias e interioridades que por diversas vezes inspirou os personagens (matar ou não o pai?) e o classicismo musical permanecem como assombro de uma sacralidade gestual, declamatória e afetuosa. Essa escolha narrativa tornou possível registrar a tensão, o tédio e a euforia das cenas.  O modo de Green perceber o mundo – com todas as suas referências nas mais diversas manifestações artísticas – e seu olhar sob a família de classe média parisiense , me parece muito provocador e revela um modo muito contemporâneo de entender a representação familiar no cinema.Trata-se de uma película de expressão autoral notável.

A fotografia é um dos grandes destaque de O Filho de Joseph. Os atores sempre recitativos e tesos estão, em quase todo o filme, olhando diretamente para a câmera. Seus rostos se apresentam prestes a atravessar o quadro, característica inconfundível da produção cinematográfica de Green.

A questão que move a narrativa de O Filho de Joseph é a da paternidade. Ausência e rejeição pesam muito e o mínimo de equilíbrio está condicionada ao encontro de uma figura paterna “substituta”.

Além de um tanto formal, o filme é todo erudito, característica que não impede a compreensão da história por àqueles que não conhecem as referências utilizadas. Compensando suas correntes emocionais profundas, O Filho de Joseph constrói uma conclusão concisa e silenciosa. Green deixa ao espectador a tarefa de concluir por conta própria se o que os personagens fazem é aceitável ou não, se felizes e ajustados são os que dão valor a constituição familiar ou os que não dão a mínima a ela. Somos nós que precisaremos dar conta dessa reflexão, já que o filme não a promove.

TRAILER:
https://youtu.be/7dBrFSeKml8
FICHA TÉCNICA:
Título original: Le fils de Joseph
Direção: Eugène Green
Elenco: Victor Ezenfis, Natacha Régnier, Fabrizio Rongione, Mathieu Amalric, Maria de Medeiros
Distribuição: Supo Mungam Films
Data de estreia: qui, 16/03/17
País: França, Bélgica
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 115 minutos
Classificação: 12 anos

Bianca Moreira

Estudante de jornalismo. Apaixonada por literatura,teatro, fotografia e especialmente pela sétima arte.
NAN