CRÍTICA | Shyamalan nos entrega uma obra-prima com ‘Fragmentado’

Anderson Vidal

Filmes de M. Night Shyamalan sempre rende muito assunto. O diretor carrega muitos admiradores pelos ótimos O Sexto Sentido, A Vila, Sinais, Corpo Fechado, os mal compreendidos A Dama na Água, Fim dos Tempos e A Visita e até com o mediano O Último Mestre do Ar.

CRÍTICA #2 | ‘Fragmentado’ é uma realização clássica de Shyamalan, com atuação camaleônica de McAvoy

O interessante é que sempre existe uma outra visão diferente de sua obra a cada espectador e, com isso, a divisão de opiniões é bem grande. Particularmente, sou apaixonado pelos filmes desse indiano. Ele sempre soube nos comover com a sua história, nos deixar aflitos mesmo se nada for acontecer em determinada cena e, para mim, isso é ser um bom diretor, que sabe mexer com a gente e nos deixa com um silêncio interno tentando desvendar o que está acontecendo. Em Fragmentado (Split), que estreia nessa quinta-feira (23) em todo o território nacional, M. Night Shyamalan consegue, novamente, causar esse “transtorno” ao cinéfilo e nos faz explodir ao final da projeção.

O filme não perde tempo e já em seu início nos apresenta a jovem Casey (numa belíssima atuação de Anya Taylor-Joy), não muito sociável, que apronta todos os dias na aula e é deixada de castigo. Ao ir para o aniversário de Claire, uma colega do colégio, ninguém vai buscá-la ao fim da comemoração. Então a aniversariante e sua amiga Marcia decidem dar carona para ela até em casa. No entanto, no estacionamento, o pai de Claire é atacado por Dennis (um incrível James McAvoy), uma das 23 personalidades de Kevin, e sequestra as jovens.

Daí em diante, somos aprisionados junto com as meninas na descoberta de entender o que está acontecendo, uma vez que o longa se mostra muitoeficaz em sua edição, mesclando cenas coesas entre o sequestro, Kevin em sua terapia e um flash de Casey com cinco anos, que a primeiro momento soa de forma desarmônica, mas de acordo com o desenrolar da película, entendemos cada flash e os seus motivos.

Casey se mostra ser muito inteligente e esperta, e percebe logo de cara que algo muito de errado está acontecendo. Desde quando elas ouvem duas vozes do lado de fora do quarto onde estão trancadas, a voz mais grave, de Dennis, que as sequestrou, e a voz mais suave, que aparenta ser de uma mulher e, ao olharem pela brecha da porta, percebem que realmente tem uma mulher do outro lado e gritam por socorro. Tanto elas quanto nós como espectadores somos surpreendidos pela aparição masculina, com um moletom roxo e uma saia, se apresentando como Patrícia. A partir daí, vamos nos ambientando e nos familiarizando com o jeito de cada personalidade de Kevin. O maravilhoso trabalho de James McAvoy é o principal motivo para reconhecermos cada um deles. Dennis – a primeira personalidade – é o mandante, perfeccionista, cauteloso e muito sério; Barry é mais descontraído, gosta de moda, usa uma boina, tem um jeito de andar mais descolado, mais brincalhão; Patrícia é a mãezona, prepara a refeição, pensa que age da maneira certa; Hedwig é a criança curiosa de oito anos, que gosta de dançar Kanye West, brincar e está descobrindo o primeiro amor e etc…

É interessante que a Dra. Karen Fletcher, a terapeuta de Kevin, explica sobre as personalidade dele em uma palestra via Skype, que a pessoa acredita naquilo que a mente dela a faz acreditar, que ela se torna forte de acordo com que a mente a diz que é forte e, de forma suavizada, percebemos isso na sequência em que Hedwig deixa escapar para as meninas que o local onde elas estão está mais seguro do que era antes. Nisso, elas começam a caçar uma forma de escapar dali e encontrar, no teto, grades removíveis, e enquanto Claire retira a cobertura do teto para revelar as grades, Casey e Marcia estão impedindo Hedwig de entrar pela porta. Ele empurra e não consegue abrir espaço devido a força de Casey e Marcia contra um menino, e quando ele se afasta e a personalidade de Dennis assume o controle, ele consegue empurrar a porta e afastar as meninas sem muita dificuldade.

Fragmentado sabe trabalhar muito bem o assunto sobre os alter egos de Kevin, e as cenas em que ele está em terapia com a Dra. Karen são deslumbrantes. Novamente, a incrível atuação de McAvoy contribui para que apreciemos ainda mais as cenas, principalmente quando ele muda, diante da câmera, a fisionomia de acordo com a personalidade dele. O tom de voz, o jeito de mexer a boca enquanto fala, o olhar, tudo muda de uma forma radical e impressionante.

A história vai crescendo de forma gradativa e interessante, e, como mencionei acima, a ligação até com o flash sobre Casey mais nova nos faz refletir ao final do filme, quando as personalidades de Kevin chegam ao extremo e liberam a temida Fera num desfecho incrível. Kevin foi abusado em sua infância, mas não sexualmente, “apenas” maus tratos de sua mãe, e isso desencadeou o primeiro alter ego, Dennis, que corria para deixar a casa perfeita e intacta para a mãe antes que ela chegasse e não brigasse com ele. Casey sofreu abuso – neste caso, sexual – de seu tio aos cinco anos. O homem que ainda está morando com ela e que faz com que ela arrume encrenca todos os dias para ficar de castigo e deixá-la mais tempo no colégio, ou seja, fora de seu lar. Ela não é impura e sobrevive à Fera, com questões morais sendo levantadas como, por exemplo: Casey, desde que foi raptada, se mostrou mais tranquila e mais calma que as outras duas. De alguma forma ali, afastada, ela se sentia mais segura e mais protegida – mesmo depois com a Fera – do que estando em casa com o tio. Então, temos um final não totalmente feliz.

Fragmentado nos faz pensar, nos deixa intrigados, apreensivos. Possui uma fotografia belíssima, com cenas em que temos panorâmicas de todo o ambiente, nos deixando ainda mais aflitos em determinados momentos graças a um trabalho extremamente competente. O longa entra para a filmografia de M. Night Shyamalan como uma obra-prima, principalmente depois do seu, UAU, desfecho, que faz uma ligação maravilhosa com uma de suas obras de mais de 15 anos atrás. UAU!

TRAILER:


GALERIA DE FOTOS:


FICHA TÉCNICA:
Titulo original: Split
Direção: M. Night Shyamalan
Elenco: James McAvoy, Anya Taylor-Joy, Betty Buckley, Haley Lu Richardson, Jessica Sula, Izzie Coffey, Brad William Henke
Distribuidora: Universal Pictures
Data de estreia: 23/03/2017
País: Estados Unidos
Gênero: terror
Ano de produção: 2016
Classificação: 14 anos

Anderson Vidal

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