Crítica de Filme: Bonitinha, Mas Ordinária

Pedro Esteves

BONITINHA, MAS ORDINÁRIA, peça teatral de Nelson Rodrigues, está nos cinemas, adaptado pela terceira vez para a tela grande, desta vez por Moacyr Góes.

Se pelo currículo fílmico deste, que não é dos mais indicados para um texto de tal força (com filmes da Xuxa, Trair e coçar é só começar, O Homem que Desafiou o Diabo, dentre outros), não podemos ter muitas esperanças com o filme, por outro lado, Góes é um reconhecido e premiado diretor de teatro, nos dando alguma esperança.

João Miguel e Leandra Leal, par romantico.

João Miguel e Leandra Leal, par romântico.

A peça de 1962 conta a história de Edgar, funcionário de baixo escalão de uma empresa, que recebe a proposta de casar com a filha do dono desta, pois a menina fora estuprada e precisa se casar para manter a honra. Góes conta esta história nos tempos atuais, o que cria um grande problema. Como manter crível que uma família hoje em dia tenha este pensamento? Quem casa virgem hoje em dia? Tem gente que nem se casa, quem dirá virgem. O problema nem passa perto de ser solucionado, já derrubando parte da força do argumento.

No que parece uma busca para construir um universo em constate ebulição, que carregasse o nervosismo e o peso do texto de Nelson Rodrigues, o diretor optou por enquadramentos fechados de planos e contra-planos, montados de maneira nervosa e incessante, não deixando tempo para se respirar. Estes planos fechados que nos sufocam, somados a cortes rápidos que nos inquietam, carregam todo esse peso pretendido.

Talvez esteja ai o maior mérito e demérito do diretor, pois, ao optar pelo diálogo com a densidade da obra teatral, através desta estética, ele acaba destruindo a força inerente ao próprio texto. Não nos permitindo sentir cada momento como único, pois homogeneíza a sensação de ebulição e nervosismo durante todo o filme, seguindo uma linha plana e constante de emoções. Assim, a intensidade do texto em si não nos traga, pois ela foi toda passada para a estética imagética.

 Leon Góes e João Miguel, ou Peixoto e Edgar.

Leon Góes e João Miguel, ou Peixoto e Edgar.

O “grande plano”, os Closes, parece, também, buscar uma teatralização, através da aproximação das emoções expressas pelos atores. Sensação confirmada nos planos abertos, em que a mise-en-scène, somada ao efeito da câmera parada, nos faz parecer estarmos assistindo a uma peça de teatro. Contudo, neste caso, o efeito soa falso, a movimentação excessivamente ensaiada, conjunta a uma fala teatral, gera uma imagem falsa, destoando das emoções carregadas de veracidade, das interpretações viscerais que alguns atores impregnam. A diferença entre a veracidade dos closes e a falsidade dos planos abertos é grotesca, mas, felizmente, esses planos são poucos, dando espaço para o que é real em cada interpretação sobressair.

A direção de arte e a iluminação é outro aspecto que destoa de toda essa construção do diretor. Tudo é muito limpo, arrumado, “ideal”, parecendo um conto de fadas. Nem na cena de estupro o cabelo se desarruma e o suor aparece. Podemos inferir que a opção foi a construção de uma imagem bonita que é contradita pelo caráter das personagens e pela edição, como um universo de beleza falso, bem rodriguiano, devo admitir. Porém, essa possibilidade não emplaca devido ao já citado ritmo frenético que não deixa as cenas se construírem e nem as personagens evoluírem.

A bonitinha, mas não tão ordinária,  Letícia Colin.

A bonitinha, mas não tão ordinária, Letícia Colin.

As fortes cenas de sexo parecem envergonhadas, até pela estética, tanto as de estupro como as de prazer. A significante palavra “negro”, que aparece nestas cenas como denúncia de um preconceito da classe média, ao mesmo tempo em que é seu desejo, é esmaecida. Na cena que ela deveria ganhar toda sua força, o sexo é artificial, sem carnalidade, sem tesão, e a palavra proferida como por obrigação. Letícia Colin, que faz Maria Cecilia, apesar de carregar uma versão mais menina da personagem do que as dos filmes anteriores e, que se diga, uma menina com trejeitos bem de classe média alta na atualidade, não consegue impor uma força sexual latente em cada cena, como uma camada escondida que instigue e mexa com o desejo do público. Talvez por sua tenra idade ao fazer o filme, 18 anos, essa dificuldade tenha aparecido e, principalmente, dificultado uma cena de orgia com um tesão a flor da pele. A opção do diretor em cortar a cena em planos com tempos diferentes, realizando jump cuts, também não ajuda. Em suma, a atriz é muito bonitinha, mas pouco ordinária.

Por fim, vale muito a pena destacar o roteiro muito fiel à obra e as interpretações do elenco, que em sua maioria está afinado, com destaque para João Miguel como o protagonista Edgar e Leon Góes (irmão do diretor) como Peixoto, em versão com a alma mais morta deste personagem (muito bom).

BEM NA FITA: Boas interpretações, tensão do texto preservada e roteiro bem fiel a obra.

QUEIMOU O FILME:: Homogeneização emocional, seguindo uma linha plana e constante, a perda do contato com o tempo do text e a teatralização nos planos abertos.

FICHA TÉCNICA:

Ano – 2013

Gênero – Drama

Duração – 90 minutos

Classificação Indicativa – 16 anos

Distribuição – California Filmes

Produção – Diler e Associados

EQUIPE

Diretor – Moacyr Góes

Produzido por – Diler Trindade

Produtor Executivo – Telmo Maia

Produtor Delegado – Geraldo Silva de Carvalho / Lilia Alli / Patricia Novais

Diretor de Fotografia – Jaques Cheuiche

Diretor de Arte – Paulo Flaksman

Montagem – João Paulo Carvalho

Cenografia – Ana Schlee

Figurino – Bettine Silveira

Direção Musical – Ary Sperling

Som Direto – José Moreau Louzeiro

Roteiro – Moacyr Góes

Direção de Produção – Mariangela Furtado

Produção de Elenco – Cibele Santa Cruz

ELENCO

Edgar – João Miguel

Ritinha – Leandra Leal

Maria Cecília – Letícia Colin

Dr. Werneck – Gracindo Junior

Peixoto – Leon Góes

Dona Berta – Ângela Leal

Dona Ligia – Ligia Cortez

Porteiro Osíris – André Valli

Tereza – Giselle Lima

Dona Ivete – Maria do Carmo Soares

Alfredinho – Alcemar Vieira

Ana Isabel – Daniela Galli

Nadir – Patricia Elizardo

Alírio – Daniel Vilas

Fontainha – Paulo Giardini

Arturzinho – Mauro Salvatore

Aurora – Lisa Fávero

Dinorá – Beatriz Bertu

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Pedro Esteves

Cineasta, fotógrafo, pedagogo e enoconsultor. É curioso por natureza, chato por opção e otimista por realismo. Midiaeducador no ensino formal, expõe seus trabalhos artísticos em facebook.com/estevesarte e presta consultoria em vinhos a partir de www.primusvinho.com.br .
NAN