CRÍTICA | Adaptação de ‘A Cabana’ tem fotografia belíssima, mas despertará polêmica pela sua religiosidade

Bruno Giacobbo

Uma adaptação do best-seller homônimo do escritor canadense William P. Young, A Cabana (The Shack) acompanha a trajetória de um homem que pode dizer, sem medo algum de se vitimizar, que comeu o pão que o diabo amassou. Durante a sua infância, Mackenzie “Mack” Phillips (Sam Worthington) sofreu nas mãos de um pai religioso, mas alcoólatra. Distante das paredes da igreja e dos olhos da comunidade local, ele e a mãe apanhavam por motivos torpes. Já crescido, com a vida refeita ao lado de Nan (Radha Mitchell) e seus três filhos, o chefe de família exemplar enfrenta outra provação: a morte da caçula, Missy (Amelie Eve), de apenas seis anos de idade. Igualmente dolorosas, estas situações se diferem em relação a questão da responsabilidade. Se ainda criança ele era uma vítima indefesa, já adulto se sente responsável. A menina estava sob os seus cuidados, em um acampamento de final de semana, quando foi raptada, violentada e morta por um estuprador. Sem corpo, somente com a certeza do pior asseverada pelo vestido encontrado dentro de uma velha cabana abandonada, os Phillips precisam seguir em frente e aprender a viver com este vazio. Contudo, tomado por uma grande tristeza, Mack assiste, impassível, ao desmoronamento do mundo ao seu redor e para reagir uma ajudinha extra será mais do que bem-vinda.

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Existe um ditado que diz o seguinte: “O que o homem põe, Deus dispõe”. O seu significado é relativamente simples. Ele quer dizer que o destino e o futuro não nos pertencem. Muitas vezes fazemos planos e, quando estes não se realizam, nos decepcionamos. O mesmo serve para situações ruins que entendemos como irreversíveis e acabam nos frustrando. Nestes casos, nossas decepções e frustrações são frutos de uma incapacidade de ver que, provavelmente, Deus esteja reservando algo melhor no futuro. Assim, alguns anos depois da morte da filha, Mack encontra um misterioso bilhete em sua caixa de correio. Uma carta redigida à mão, que pelo seu conteúdo e mensagem o levam a crer que foi escrita pelo Todo Poderoso. No texto, um convite pra lá de inusitado: encontrá-lo para uma conversa na velha cabana onde o vestido de Missy foi achado. Qualquer outra pessoa teria encarado esta história como uma brincadeira de mau gosto e deixado para lá, porém, ele não é qualquer pessoa. Mack possui um desejo ainda inconsciente de reconciliação com a fé perdida, com a vida e com Deus.

Para quem não leu o livro, é bom avisar: este não é um filme policial. O foco não está no assassinato da menina. Esta é uma obra sobre o amor. Sobre a nossa capacidade de perdoarmos o próximo e perdoarmos a nós mesmos. Nunca antes o “Pai Nosso” (perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido) fez tanto sentido. E são nas cenas da cabana que o longa-metragem cresce de forma exponencial. Uma vez lá, o protagonista não encontrará apenas Deus (Octávia Spencer), com uma aparência que ele jamais imaginou, mas Jesus Cristo (Aviv Alush) e Sarayu (Sumire Matsubara), que pelo significado do seu nome (sopro do vento) logo fica claro ser o Espírito Santo. E porque estas cenas são a melhor parte da película? Bem, a explicação passa pelos diálogos entre estes personagens. Ao contrário do que poderia acontecer, a reconciliação em curso não ocorre de uma hora para a outra, de uma forma abrupta. O desejo inconsciente se torna, aos poucos, latente. Mack discute, questiona e não concorda de primeira com as coisas que lhe são ditas. É um longo processo de entendimento e aceitação. Devido a este motivo, tudo soa natural e convincente.

Se a ganhadora do Oscar, Octavia Spencer, concebeu o Todo Poderoso como uma grande mamãezona que cozinha maravilhosamente, o Jesus do ator israelense Aviv Alush é o amigo, o irmão que qualquer pessoa gostaria de ter nesta vida. Para começo de conversa, ele literalmente chama o protagonista de meu amigo. E suas atitudes e a maneira de se portar condizem com o que é dito. Vários são os momentos, entre um papo mais sério e outro, que Cristo e Mack são vistos se divertindo e brincando. A cena em que eles correm sobre um lago é de estampar um sorriso no rosto mais sisudo. Desta forma, ele ofusca o brilho de Spencer. Não que ela esteja mal, não, não está, mas ele está melhor. Como não poderia deixar de ser, pensando na importância de cada uma das partes da Santíssima  Trindade, a intérprete japonesa Sumire Matsubara é quem menos participa do filme. No entanto, nem por isto ela é desimportante. Com as suas habilidades de jardineira, a personagem é fundamental na hora de plantar um sopro de vida no coração empedernido de Mackenzie. Por último, fio condutor da trama, Sam Worthington transmite credibilidade aos dramas do pai de família sofrido, o que era fundamental para a história funcionar, ainda assim ele não se destaca tanto quanto seus companheiros de cena.

Eu não tenho nenhuma sombra de dúvida de que A Cabana despertará polêmica. É um filme abertamente religioso, muito mais do que o épico jesuíta “Silêncio” (2016), de Martin Scorsese. Como tal, será acusado, por alguns, de proselitismo, acusações estas, ao meu ver, descabidas. Em momento algum, ao longo de suas mais de duas horas, ele procura catequizar o público. Como disse Octavia Spencer, em coletiva no Rio, Deus não pertence a nenhum povo específico. Ele é de todas as religiões, de todos que tenham fé. A escolha de um elenco multirracial reflete esta não apropriação por parte de uma ou outra religião, ainda que lá no começo do longa exista uma rápida menção à Igreja Presbiteriana. Melodramático e piegas, estas são outras características que talvez sejam aferidas a ele, agora, se isto é um defeito ou não, é algo bastante discutível. Indiscutível mesmo é a beleza da fotografia multicolorida de Declan Quinn que remete a de “Amor Além da Vida” (1998), por sinal, uma obra também de matiz religiosa, só que espírita.

Desliguem os celulares e boa diversão.

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FICHA TÉCNICA:
Título original: The Shack
Distribuição: Paris
Direção: William P. Young
Elenco: Alice Braga, Sam Worthington, Octavia Spencer, Tim McGraw, Radha Mitchell
Data de estreia: qui, 06/04/17
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2015
Classificação: 12 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN