CRÍTICA | ‘O Dia do Atentado’ é mais um blockbuster formulaico e enaltecedor do espírito estadunidense
Thiago de Mello
Em 2016, Peter Berg dirigiu Horizonte Profundo: Desastre no Golfo, um filme-catástrofe que conta a história do vazamento de petróleo da plataforma de perfuração marítima Deepwater Horizon, Golfo do México, em 2010. Trata-se de um filme formulaico e sentimentalista, cujo objetivo é homenagear e comover com uma profusão de convenções e clichês vazios. Mesmo assim, há um ou dois momentos cuja direção mostra competência ao recriar sequências da explosão com qualidade (conseguindo até duas indicações ao Oscar 2016: Melhor Edição de Som e Melhores Efeitos Visuais), num misto de blockbuster e história.
Agora, menos de dois anos depois, Berg retorna às salas de cinema com O Dia do Atentado (Patriots Day), que narra o atentado terrorista da maratona de Boston, ocorrido em 2013. Porém seu novo filme apenas repete, com um incômodo descaramento, a fórmula de Horizonte Profundo, num trabalho que soa como um auto-plagio sem inspiração. E se isso não fosse o bastante, os poucos acertos de seu longa anterior tornam-se erros em O Dia do Atentado.
O início já demonstra todo sentimentalismo banal e desnecessário que o roteiro de Berg, Matt Cook e Joshua Zetumer tenta vender ao espectador, que é apresentado a quatro personagens. O primeiro é o protagonista Tommy Saunders (Mark Wahlberg), um policial da cidade. Além deles, outros personagens ganham destaque, sejam pessoas que se tornarão vítimas, participarão de alguma forma dos eventos subsequentes ou farão parte da equipe que procura os terroristas responsáveis: os irmãos Tamerlan (Themo Melikidze) e Dzhokhar Tsarnaev (Alex Wolff). Porém, a superficialidade de todos eles não permite qualquer forma envolvimento emocional. Vemos um casal que se ama; um chinês que compra um carro para impressionar mulheres e consegue um encontro; uma cientista e um policial flertando; um pai levando seu filho pra assistir a maratona; etc. A personalidade de cada novo personagem nada mais é do que sua atividade em cena, o que impede qualquer forma de empatia por parte do público. Além disso, eles deixam o filme com muito mais minutos do que o necessário, resultando numa obra lenta, maçante e demasiadamente longa (2h13).
O ritmo é um determinante (negativamente) em O Dia do Atentado. Berg se esforça para dar valor histórico ao longa, recriando todos os momentos “importantes” num determinado espaço de tempo. Embora haja algum esporádico valor na curiosidade sobre os eventos (a forma como a investigação é conduzida ou a perseguição aos terroristas, por exemplo), ele não possui a carga suficiente para entreter o público. Isso também é reflexo de uma direção que exagera na câmera de mão e na edição, que jamais parece ficar mais de 5 segundos num só ângulo – com exceção das câmeras de segurança. A constância de cortes e movimentos desnecessários da câmera implicam num cansaço visual que também ajuda a afastar a atenção do público. Além disso, a fotografia saturada também incomoda pelo exagero constante.
Alias, o exagero não se restringe aos pontos citados acima. Ele também está presente na trilha sonora, composta por Trent Reznor e Aticcus Ross (ambos vencedores do Oscar de Melhor Trilha Sonora, em 2011, por A Rede Social). Em O Dia do Atentado, a música permanece num segundo plano por grande parte do filme, num apelo constante e vão para tentar emular algum sentimento no espectador. Essa frequência também cansa principalmente por evidenciar o trabalho burocrático de ambos, que soa como uma mera adaptação de suas composições anteriores.
Enquanto “Horizonte Profundo” conseguia extrair bons momentos visuais, O Dia do Atentado jamais recria as cenas mais impactantes com qualidade. Além da câmera frenética e a edição constante, Berg opta por ângulos indiretos para “mostrar” a violência do ato, com a câmera enquadrando uma perna amputada ao fundo, ou uma rápida movimentação por um pé cujos dedos não estão mais lá, tudo por poucos segundos, numa espécie de ângulo holandês que é difícil afirmar se foi proposital ou apenas um mero resultado de uma câmera de mão mal conduzida.
Outro momento climático pouco aproveitado é o confronto com os terroristas, que jamais captura a tensão do embate. A mesma má condução da câmera é somada a uma fotografia pouco iluminada, resultando numa sequência complicada de acompanhar, sem senso de urgência ou de perigo. Some isso a um humor completamente deslocado e toda a sequência ganha forte descartabilidade.
O desfecho é outro problema. Parece que Berg não se contenta em homenagear através da história que acabou de contar, dando ainda mais sentimentalismo aos minutos finais que, além de tudo, carregam um patriotismo que possivelmente incomodará qualquer pessoa que não seja norte-americana. No fim, não é um filme sobre o terrorismo global (como um dos depoimentos finais sugere), mas sobre um atentado em solo americano e toda a força da nação diante tais tragédias.
Conclusão
O Dia do Atentado é mais um blockbuster dramático, histórico, formulaico e enaltecedor do espírito estadunidense. Se bem conduzido, talvez pudesse possuir algum outro valor que não fosse apenas uma ou duas breves curiosidades sobre o atentado e suas consequências. Mas como não é, o que o espectador recebe é uma longa história sem personagens relevantes, mal filmada e cansativa que parece mais interessada em se auto vangloriar do que comentar algo de relevante sobre o terrorismo para qualquer pessoa que não more nos Estados Unidos.
O Dia do Atentado estreia em 11 de maio.
*Texto publicado originalmente no site “O SETE”, parceiro do BLAH CULTURAL.
TRAILER:
FOTOS:
FICHA TÉCNICA:
Título original: Patriots day
Direção: Peter Berg
Elenco: Mark Wahlberg, Michelle Monaghan, Melissa Benoist
Distribuição: Paris
Data de estreia: qui, 11/05/17
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2016
Duração: 133 minutos
Classificação: 14 anos.