CRÍTICA #2 | ‘Neve Negra’ envolve na tensão, mas peca na continuidade
Luigi Martini
Conheça nossos personagens: quatro irmãos, dentre eles, um foi morto num passado obscuro e inexplicado; a moça é uma atual neurótica internada; e os demais são nada menos que Ricardo Darín, conhecido aqui como Salvador, e Leonardo Sabaraglia como Marcos (a este último soma-se a presença de sua grávida esposa que o acompanha). À estes, a cruz de todos os traumas do passado. A mesma cruz que determina, de certa maneira, o que são no presente. Ou seja, o paradoxo Neve Negra (Nieve Negra, 2017) não é nada gratuito.
CRÍTICA #1 | ‘Neve Negra’ tem um dos desfechos mais impactantes do ano
A Marcos é encarregada a missão de enterrar as cinzas de seu falecido pai ao lado onde fora enterrado o irmão. Além disso, nosso suposto protagonista tem a intenção de convencer o frio e truculento Salvador a vender sua parte no terreno da família a fim de ajudar no tratamento da irmã e no suporte da gravidez de sua esposa.
O trabalho de direção de Martin Hodara traz variados aspectos na visão deste humilde resenhista que vos escreve – por este ser seu terceiro longa, talvez ele esteja encontrando uma linha específica de execução. Há dois pontos muito claros aos quais pretendo focar. O que mais impressiona aqui é a construção do clima de tensão e fixação que nos atrai, moldada pelo norte narrativo (montagem que traz à visão do presente cenas do passado sem que se torne enjoativo nem explicativo demais). Ele consegue nos atrair justamente pela falta de informações que, sem estas, não é possível o entendimento da situação. Ao mesmo tempo em que a trama se dá de forma crescente cronologicamente, o passado acontece no sentido oposto, aclarando do desfecho ao início a origem dos acontecimentos. Isto sabemos que não é algo novo, mas produzi-lo com êxito não é tarefa fácil.
A despeito disso, é notável a falta clareza no desenrolar do enredo. Carece aos personagens determinantes a ligação entre o que transparecem subjetivamente ao público e o descobrimento de quem realmente são no final das contas. O problema não é o desfecho se tornar ambíguo – conforme até o diretor afirma na coletiva de imprensa, realizada no Shopping Iguatemi em São Paulo, de que, oferecendo menos relatos da vida de cada personagem, não ocorre o problema do público julgar se estes são bonzinhos ou vilões, como por meio de sua classe social ou nacionalidade por exemplo. O que incomoda não é ausência deste tipo específico de detalhe, senão a construção coerente de uma linha de enredo que justifique todo aquele incômodo de suspense bem trabalhado no começo. Não há pistas sustentadoras que justifiquem e, ainda mais importante, não é sugerida na subjetividade dos personagens que compõem o clima sinistro de que compramos desde o início a afirmação de que suas atitudes de fato foram necessárias por isto ou por aquilo e o que se tornaram de fato depois daquilo. Aquilo não os atingiu de maneira alguma em suas individualidades?
O que torna Neve Negra uma obra rica não é seu final aterrador e sufocante, mas o que aquilo mudou na vida do personagem e o fez pensar, vestir, comunicar, ter planos diferentes do que teria até então caso aquele fato não houvesse ocorrido. Isso é semelhante a quem está assistindo na perspectiva da poltrona. É isso o que nos fará pensar depois que as luzes se acenderem e vermos o mundo de volta ao nosso redor. Não deve-se apenas dar um clima de mistério empolgante, inacabado e altamente ambíguo no corte final da última cena quando finalmente a tela escurece, acendem-se as luzes, e a trilha final surge mais alta e vibrante do que nunca. Algo infeliz vista a qualidade do elenco. Salvo Darín, que se compõe de maneira íntegra, justificando-se e dando sustentação ao conflito narrativo.
TRAILER:
FOTOS:
FICHA TÉCNICA:
Título original: Nieve negra
Direção: Matin Hodara
Elenco: Ricardo Darín, Laia Costa, Dolores Fonzi
Distribuição: Paris
Data de estreia: qui, 08/06/17
País: Argentina, Espanha
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 90 minutos
Classificação: 12 anos