CRÍTICA | ‘Últimos dias em Havana’ é um grito de amor e tolerância
Bianca Moreira
Os laços afetivos que unem os homens tem importância fundamental na formação da sociedade. Como esses laços são construídos e as consequências da sua ruptura é tema do mais recente filme do renomado cineasta cubano Fernando Pérez.
Uma Havana sem Fidel e em constante transformação. De um lado, trabalhadores que sonham com uma vida melhor nos Estados Unidos, de outro, cubanos que levam a vida da maneira que podem e se recordam dos bons tempos da “revolução”. É para lá que vai a câmera de Últimos Dias em Havana, atrás de personagens de uma riqueza única.
A peculiar relação de amizade entre Diego, um homossexual bem humorado e portador de HIV que não tem forças nem para sair da própria cama sozinho, e Miguel, um lavador de pratos lacônico que sonha em morar nos EUA, é o ponto central da história. Miguel mora e cuida meticulosamente de Diego, mas é incapaz de demonstrar afeto. Nem mesmo os ataques e as provocações de seu amigo são capazes de alterar seu estado de espírito.
Nesse ponto, Fernando desperta uma reflexão interessante sobre a amizade. Diego é antagonista de Miguel, não possuem nada em comum a não ser o fato de dividirem o mesmo teto. No entanto, nutrem uma relação de confiança muito forte. Aqui, ser amigo é mais do que conhecer o outro, é compreender o outro. Nos mostra que manter a amizade exige ultrapassar desafios que vão muito além das diferenças.
Diego vê seu corpo como um acessório de presença, um objeto imperfeito, já que é incapaz de realizar qualquer atividade do dia a dia. Apesar de manifestar atitudes energéticas em relação à vida, esse personagem é a representação da desesperança. Ele tenta aproveitar, da melhor maneira possível, os últimos dias que os restam e não tem nenhuma perspectiva de futuro. Já Miguel, apesar de passar uma imagem mais “fria” é o reflexo da esperança. Ele ainda acredita vale a pena imaginar novos caminhos e ousar novas possibilidades.
Aos poucos, novos personagens surgem na trama. Uma delas é “P4” um garoto de programa que passa a visitar Diego constantemente e a outra, é sua sobrinha, Yusisleydis, uma garota de 15 anos que não suporta mais morar na casa dos pais e vai morar com Diego. Apesar das novas companhias trazer certo animo para ele, a possibilidade de Miguel partir faz com que ele queira desistir da própria vida.
Além de ser um filme sobre a amizade, Últimos Dias em Havana também é sobre a perda e, por isso, todos nós podemos nos conectar a ele. As escolhas que fazemos durante a vida, sejam elas quais forem, acarretam em privações. O longa também coloca em pauta a questão do pertencimento. Partir ou permanecer? Qual é a melhor opção?
Últimos Dias em Havana é um filme de narrativa clássica minimalista, é um pequeno recorte da pacata vida de dois personagens. A maior parte dele se passa em um único lugar – o apartamento de Diego – sem que sua trama seja monótona. Fernando Pérez costurou o enredo com maestria e transbordou em dinamicidade.
O filme é um grito de amor e tolerância. Tão pouco é o espelho de uma geração ou o retrato de uma nação, mas é, com certeza, as diversas faces que a Havana de hoje pode ter, com suas histórias de desamparo, medo, perda, ação, incerteza e dor.
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Distribuição: Esfera