A Mulher que Fugiu | Uma fuga para o comum

Ana Rita

Acredito que uma das situações mais difíceis de ser retratada no cinema são as simples. Sejam pelos diálogos fáceis, comuns e rotineiros, ou atuações tão discretas que podem soar como inexpressivas, mas que poderiam muito bem ser reais.

Estamos acostumados ao ‘espetáculo’ e muitas vezes nos interessamos por dramas mais complexos. Mesmo que subentendido, eles precisam estar carregados de analogias, críticas ou questões reflexivas. Por que não apenas retratar um diálogo ou uma situação cotidiana?

O Cinema de Hong Sang-Soo

O diretor sul-coreano Hong Sang-Soo é conhecido por sua direção minimalista. Mas essa simplicidade na sua decupagem não deixa seu filme chato, entediante ou simples, por mais contraditório que seja. Somos conduzidos nessa narrativa de forma natural, sem amarras.

Em ‘A Mulher Que Fugiu’, no qual Hong Sang-Soo assina direção e roteiro, nossa guia é Gam-hee (Kim Min-hee), que em uma despretensiosa jornada, somos observadores distantes, mais íntimos. Esta é uma mulher que aproveita para visitar antigas amigas enquanto seu marido está viajando. Com uma premissa e narrativa usual, essas interações vão expor mais do que parece. Expor não apenas o que Sang-Soo nos mostra, mas o que absorvemos dessa obra.

Seu zoom característico na direção se faz bastante presente, sempre lembrando a irrealidade da situação que presenciamos: que sua simplicidade de cena não traz cenas reais, e que estamos diante de uma obra audiovisual. Esse zoom desprende o espectador de qualquer sensação de situações reais, reforça seu caráter fictício, dando ênfase a diálogos e expressões de seus personagens.

A Mulher que Fugiu

O Cotidiano

Será que é possível beleza em situações cotidianas?

No filme, tem-se conversas comuns, que facilmente teríamos com amigos em situações informais. Comentários pessoais sobre a vida e relacionamentos. Acompanhamos Gim-hee na visita a três amigas diferentes. Uma acaba de se divorciar, a outra é solteira e a terceira está casada. Esse contraste nos estados dessas mulheres expõe diferentes visões, comportamentos e pensamentos.

Muitos podem considerar um filme lento, no qual nada acontece. Mas na realidade, tudo acontece. O formalismo de Sang-Soo nos coloca de frente a Gim-hee, onde contemplamos essa aparente superficialidade do cotidiano humano.

Gim-hee conta a mesma história para suas três amigas. É a primeira vez que está longe do marido, que em cinco anos de relacionamento, nunca se separaram, e como diz seu cônjuge, pessoas que são apaixonadas devem ser apegadas. Mesmo escutando e vendo as amigas de Gim-hee falar sobre seus relacionamentos, ficamos curiosos sobre o seu aparente belo e estável casamento.

A Mulher que Fugiu

Relacionamentos

Na primeira visita, uma amiga conta sobre a filha do vizinho que sempre vai à sua casa fumar. A mãe dessa mulher fugiu em uma noite e nunca mais voltou, deixando filha e marido para trás. Ninguém sabe o porquê e o que aconteceu, só que a mulher fugiu.

O ser humano é um animal social, vivemos em uma sociedade, e nela, nos relacionamos, mesmo que de forma efêmera. Nos alimentamos de relacionamentos, sejam amorosos, familiares ou amizades. Há uma busca pela boa convivência, como por exemplo em condomínios, onde é costume se prezar por esta, como Sang-Soo mostra com simples situações, como a discussão sobre alimentar animais de rua (afinal, é importante que eles sobrevivam) ou com a visita inesperada de um ex.

O oceano

Mas quem é a mulher que fugiu? E fugiu do que?

O título do filme é sugestivo, mas a narrativa e sua condução permitem diversas interpretações (como uma boa obra cinematográfica deve ser).

A terceira visita é a um café de um cinema, no qual encontra essa amiga também casada, que nessa conversa descobrimos mais sobre Gim-hee, até então mais impessoal no longa. A personagem aproveita e vai ao cinema sozinha. A metalingua se faz presente. Vemos nossa protagonista sendo espectadora enquanto somos espectadores. Na tela, o mar, com suas ondas e imensidão, e fim.

Por fim, A Mulher Que Fugiu é a contemplação do simples. Sem muito dizer e com muito a falar, Sang-Soo promove , assim, um passeio de fuga do real para a simples irrealidade do cinema.

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Ficha técnica – A Mulher que Fugiu

Título original: Domangchin yeoja
Direção e roteiro: Sang-soo Hong
Elenco: Kim Min-hee, Song Seon-mi, Eun-mi Lee, Hae-hyo Kwon, Young-hwa Seo, Seok-ho Shin, Seong-guk Ha, Sae-Byuk Kim
Data de estreia: qui, 16/12/2021
Onde assistir: somente nos cinemas
País: Coréia do Sul
Gênero: drama
Duração: 77 minutos
Ano de produção: 2020
Classificação: 10 anos

Ana Rita

Piauiense, nordestina e estudante de Arquitetura, querendo ser cinéfila, metida a crítica e apaixonada por cinema, séries, arte e música. Siga @trucagem no Instagram!
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