QUEERLAND | A resistência LGBTQ+ nos grandes festivais de música no Brasil
Bruno Cavalcante
Na última quinta-feira, 10 de outubro, tivemos o anúncio do line-up 2020 do festival americano de música Lollapalooza. O evento acontece em São Paulo desde 2012. Assim como o Rock In Rio, o Lolla costuma fazer uma mescla entre artistas da atualidade e os já consagrados, além, é claro, de uma recente abertura para os nomes fora do meio mainstream. Além disso, temos visto também uma crescente representatividade LGBTQ+ dentre os cantores, cantoras e bandas selecionados para cada edição, e é justamente sobre isso que iremos falar agora.
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Você sente falta de artistas que representem a causa LGBTQ+ nesses grandes festivais? Se a sua resposta for não, é preciso repensar algumas coisas a respeito desse tema. Afinal, assim como já falamos em um outro texto da coluna sobre a necessidade de haver uma representatividade nas produções de cinema e TV, com o intuito de gerar uma identificação entre todas as tribos, também é importante olhar para outras cenas como a literatura, política, games e também a música. E não, não estou falando daquele cantor ou cantora que deixou escapar em alguma entrevista que, por acaso, era bissexual. Mas sim de artistas que levantam a bandeira e lutam pela causa a partir de seus discursos e atitudes diariamente.
Representatividade LGBTQ+ brasileira
Dentre os artistas brasileiros, tivemos uma grande e recente leva de cantores e cantoras que resolveram “sair do armário”, bem como outros que se lançaram para o mercado se posicionando como LGBTQs a favor da causa. Nomes como Daniela Mercury, Silva, Pabllo Vittar, Gloria Groove, Lulu Santos, Johnny Hooker, Liniker, por exemplo, fizeram e ainda fazem a diferença para o empoderamento da luta contra o preconceito.
No entanto, vale lembrar que grande parcela desses nomes ainda tem pouca expressividade dentro do que podemos chamar de “grande mídia” brasileira. Fazendo, assim, parte do segmento de artistas de nicho. Todavia, não se pode caracterizar isso como algo ruim, muito pelo contrário. Afinal, hoje em dia trabalhar visando pequenos grupos é algo essencial para uma estratégia de marketing efetiva, tal como nos ensinou Chris Anderson no best-seller “A Cauda Longa”. Algo que segue proporcionando resultados expressivos nas plataformas de streaming como Spotify, Deezer, Amazon Music, entre outros. Mas, então, qual a necessidade de termos esses artistas nos grandes festivais?
Reforçar a presença de LGBTQs nesses eventos é muito mais do que simplesmente montar um line-up de um festival. Na verdade, reverbera dentre as camadas de lutas sociais e políticas que, desde a Rebelião de Stonewall, seguem essenciais para o acolhimento e respeito dos direitos da comunidade LGBTQ+. Em outras palavras, se não fossem as travestis e transformistas da década de 60 e 70, que deram a cara a tapa nas grandes casas de shows no passado, tal como nos apresentou o documentário “São Paulo em Hi-Fi” (2016), de Lufe Steffen, talvez hoje não existisse a força e a representatividade de Pabllo Vittar e Gloria Groove na cena drag atual.
Rock In Rio e a cena da diversidade
De acordo com uma pesquisa apurada pelo G1, o Rock In Rio deste ano foi a edição que obteve o maior número de artistas negros em um line-up da história do festival. Foram 13 artistas ao todo. Superando a edição de 1991, quando haviam 7 artistas negros na configuração de headliners. Entretanto, neste ano, ficamos atrás no quesito presença de mulheres no line-up (apenas 8). A saber, o recorde da atuação feminina foi na edição de 1985, com um total de 14 mulheres liderando os palcos do festival.
O Rock In Rio 2019 também foi citada por diversos veículos de comunicação como sendo a “edição da diversidade”. Isso porque a inclusão de nomes como Gloria Groove e Anitta – e isso inclui a abertura para o funk carioca com o palco Favela – proporcionou uma grande mistura dentro da Cidade do Rock. E se na época os artistas transgressores vinham de estilos como o rock, grunge e underground, tal como Rita Lee, Nina Hagen, The GoGo’s, Blitz, Kid Abelha e The B-52’s, hoje, a diversidade atua mesmo é através do funk, soul, pop e R&B, os gêneros mais populares dentre a atual juventude.
Agora, se o RIR é oficialmente a favor deste tipo de discurso ou somente age por interesses financeiros (vulgo pink money), não sabemos. A única verdade é que, em 2019, tivemos uma representatividade queer muito maior do que nos anos anteriores. Artistas como Johnny Hooker, Linn da Quebrada, As Bahias e a Cozinha Mineira, Gloria Groove, Lulu Santos, Ludmilla, Ana Cañas, Jaloo, Silva e Mahmundi difundiram suas artes através dos palcos do RIR. E isso, definitivamente, foi lindo!
Expressão e empatia no RIR
Também não podemos deixar de citar os diversos atos de expressão realizados durante o festival. Por exemplo, as homenagens à Marielle Franco, feitas pelo trio de metal Nervosas e pela funkeira Lellê. E uma outra salva para os artistas simpatizantes que levantaram a bandeira LGBTQ+ durante suas apresentações, como a cantora Pink e o vocalista da banda Imagine Dragons, Dan Raynolds. E, claro, sem falar dos diversos momentos de manifestações do público em repúdio ao atual governo brasileiro.
Além disso, tivemos também a ação #ColoRIR da Doritos, que teve como objetivo fomentar o debate sobre a diversidade através de um espaço montado na Cidade do Rock.
– Nossa proposta é fazer um convite para que as pessoas possam #ColoRIR a Cidade do Rock e mostrar que as nossas diferenças se completam e tornam o mundo melhor – afirmou Daniela Cachich, vice-presidente de marketing da PepsiCo, na ocasião.
Outra ação importante da Doritos durante o Rock In Rio foi o direcionamento dos lucros das vendas do Doritos Rainbow para instituições de apoio à causa LGBTQ+. A Casa 1, que acolhe LGBTs que foram expulsos de casa ou que estão em situação de rua por conta de sua orientação sexual e identidade de gênero, foi uma das ONGs beneficiadas.
Lollapalooza e outros festivais
Depois dessa edição memorável do Rock In Rio, o Lollapalooza segue com um line-up que inclui alguns nomes da cena LGBTQ+ atual. Podemos citar Pabllo Vittar, Silva, Jão, Ludmilla e a norte-americana Hayley Kiyoko. Esta última mais conhecida como a “Lesbian Jesus” da comunidade queer gringa. Apesar de a cada ano tentar aumentar, timidamente, a participação de LGBTQs em seus line-ups, o Lolla ainda precisa fazer muito mais se quiser crescer como festival. Pois, como dizem por aí, “servem um discurso de igualdade, mas não abraçam a causa”.
Uma dica para o Lollapalooza seria aproveitar e acompanhar o ritmo de desenvolvimento igualitário de outros festivais como o RIR e o Milkshake Festival, por exemplo. Este último, apelidado de “Lollapalooza Gay” – e que também acontece em São Paulo -, é um evento que celebra a comunidade LGBTQ+. Ademais, ele se inspira em uma atração de mesmo nome realizada na Holanda. O Milkshake de 2018, por exemplo, contou com mais de 30 atrações divididas em quatro palcos diferentes. Um dos grandes destaques do festival foi justamente o Concurso Cultural Rainha Drag Queen. O evento recebeu o reforço de um júri poderosíssimo formado por Nany People, Márcia Pantera (a eterna rainha do bate cabelo) e Salete Campari.
A verdade é que, hoje em dia, não faz nenhum sentido qualquer festival acontecer sem a presença de artistas LGBTQs. Afinal, os tempos são outros e o público está cada vez mais consciente sobre a imagem e a representatividade de cada marca. Apostar na diversidade é, certamente, apostar no futuro. Um futuro traçado por um longo e esplêndido arco-íris.