A Vida Depois do Tombo série Karol Conká Globoplay crítica

‘A Vida Depois do Tombo’: Karol Conká e o tombo da própria altura

Lohan Lage Pignone

“A Karol Conká salvou a Karoline. Agora a Karoline precisa salvar a Karol Conká”.

No final da série documental A Vida Depois do Tombo, produzida pela Globoplay, entra em cena a curitibana Karoline dos Santos Oliveira. Os cabelos ganham um novo estilo, cor… o figurino mais claro, remetendo à pureza, à estaca zero. Essa é a Karoline, que se apresenta com sua nova canção: “Dilúvio”. Essa mudança drástica é um processo de expurgação necessário, tanto para Karoline, quanto para Karol Conká. A Karoline vai amenizar suas angústias, seus medos. A Conká vai amenizar seus prejuízos, as manchas em sua reputação midiática.
A série não poderia ser lançada em um timing mais perfeito: pouco depois da eliminação de Conká do Big Brother Brasil, o reality show mais famoso do país que, em sua 21ª edição, colocou na vitrine a animosidade e a hostilidade de uma artista que enfrenta, com sua música, as injustiças sociais, o racismo, o machismo e tantos outros males entranhados culturalmente na essência do ser Brasil.

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Pós-BBB

Dividida em quatro episódios, a produção apresenta o pós-BBB da rapper e de sua família (mãe, filho e irmão). O roteiro explora o sentimento do cancelamento, assim como explora a reatividade daquele que feriu com ferro e com ferro foi ferido. E tal dito popular se encaixa como uma luva tanto neste caso quanto na história de Conká como um todo.
Os depoimentos de sua mãe, bem como os seus próprios, revelam uma vida que a conduziu muito mais ao espectro da reação do que da ação. Em dado momento da série, a cantora diz que seu pai a encorajava argumentar contra os ataques que ela recebia e a sempre “sair por cima”. Além disso, acrescenta que, com essa postura, enquanto um chegava com uma pedra na mão, ela já chegava com duas, três.

Encontro de Lucas e Conká

Lucas, também artista e ex-BBB, sabe bem a dor que as pedradas de Conká podem causar. Maior vítima da língua ferina da cantora na casa mais vigiada do Brasil, ele é o dominó-chave que desmorona todo o esquema dela. Entretanto, vale dizer: quem empurra esse dominó é a própria Karol.
A série tenta promover o encontro entre os dois. Aliás, eu diria que esta é a parte mais aguardada. O malfadado intento não tira o brilho deste trabalho, uma vez que a história de vida da rapper mais rejeitada do Brasil e seu quase tangente remorso espocam na tela com muita força e persuasão. O espectador, inevitavelmente, sairá tocado de alguma forma diante dessa busca pela reconstrução de uma artista na luta contra o cancelamento.
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Vale a pena assistir ‘A Vida Depois do Tombo’?

Manipulativo ou não, a série A Vida Depois do Tombo reconhece a importância de uma mulher como Karol Conká no cenário musical brasileiro. Reconhece sua voz como rapper e “tombadora”, reconhece sua inteligência e coragem. A criação do documento é minimizar a tragédia e a lama que cobre seus holofotes. Não à toa outros artistas como Nego Di e Projota, por exemplo, apesar de também se afogarem na onda do cancelamento pós-BBB, não estão recebendo o mesmo merchandising que a cantora.
Alguns momentos como o reencontro morno entre Karol e Lumena não acrescentam em nada à narrativa proposta. Ademais, o fato da artista praticamente assumir a culpa sozinha de todos ocorridos negativos durante sua estadia no reality só demonstra um medo e uma insegurança tremendas de encarar o público e dizer que já pediu desculpas o suficiente. Creio esse sentimento acaba imergindo em uma esfera perigosa de autocomiseração em excesso e todo esse caldo pode entornar no sensacionalismo.
Enfim, há quem diga que não vai dar audiência para a Conká e se entregar à apelação da emissora para limpar a barra dela. O fato é que toda moeda tem dois lados. Limitar-se à cara ou à coroa reflete uma pobreza crítica e espiritual. É preciso estar entregue ao que o outro tem a dizer, ao que pode haver por detrás das cortinas. Afinal, como já diz Pitty, “quem não tem teto de vidro, que atire a primeira pedra”.

TRAILER DA SÉRIE ‘A VIDA DEPOIS DO TOMBO’ (GLOBOPLAY)

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FICHA TÉCNICA

Temporada: 1
Episódios: 4
Duração: 35 minutos cada episódio
Data de estreia: qui, 29/04/21
Direção: Patricia Cupello, Patrícia Carvalho
Roteiro: Valéria Almeida, Malu Vergueiro
Elenco: Karol Conká
Onde assistir à série ‘A Vida Depois do Tombo’: Globoplay
País: Brasil
Idioma: português
Gênero: documentário
Ano de produção: 2021
Classificação: 10 anos

Lohan Lage Pignone

Lohan Lage Pignone, 31, é nascido no Rio de Janeiro (RJ) e atualmente reside em Nova Friburgo (RJ). Graduado em Letras (Port./Lit.) pela Universidade Estácio de Sá e pós-graduado em Roteiro para Cinema e TV, pela UVA. Publicou, em 2011, o livro “Poesia é Isso” (Ed. Multifoco). Assinou o roteiro e dirigiu o documentário em curta-metragem “Terra Nova, Friburgo”. Formou-se em Direção (Cinema) pela AIC.
NAN