Adeus a Stanley Donen, o “Rei dos Musicais” e esquecido no Oscar

Renata Teófilo

Nessa noite, a 91ª festa do Oscar vai revelar os mais novos ganhadores que farão parte de uma lista de profissionais do cinema que terão a honra de terem sido agraciados com a estatueta dourada.

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Foto: Divulgação

Como sabemos, o prêmio nem sempre é justo e, em todos esses anos, muitas pessoas importantes ficaram fora dessa lista. Os exemplos mais notórios são diretores como Orson Welles, Alfred Hitchcock e Charlie Chaplin, que nunca ganharam um prêmio da Academia de Artes Cinematográficas em sua categoria. Um dos grandes diretores que nunca recebeu o prêmio por direção foi o cineasta Stanley Donen, que morreu nessa quinta-feira, aos 94 anos. Como os citados anteriormente, Donen só foi agraciado com um Oscar Honorário pelo conjunto de sua obra em 1998. Seu maior trabalho sequer foi indicado como Melhor Filme e Direção: “Cantando na Chuva”, o indiscutível musical clássico de 1952.

Stanley Donen nasceu no estado americano da Carolina do Sul e depois de ver Fred Astaire dançando em “Voando para o Rio”, de 1933, ele decidiu se tornar um dançarino profissional. Com 10 anos entrou na escola de dança e com 17 anos já estava trabalhando na Broadway como assistente de coreógrafo. Foi nesse período que ele conheceu e fez amizade com o ator/dançarino/coreógrafo/diretor Gene Kelly, uma amizade que rendeu ótimos frutos tanto no teatro como no cinema. Em 1949, Donen estreou na MGM já como diretor no musical “Um dia em Nova York”, onde Gene Kelly, Frank Sinatra e Jules Munshin fazem três marinheiros de folga por 24 horas em Nova York. O filme, além de ser um ótimo musical, é um dos responsáveis por catapultar a ideia de que a “Big Apple” é uma cidade mágica, onde todos os sonhos podem ser realizados. A cena mais famosa do longa mostra os três marinheiros andando por pontos turísticos famosos até hoje ao som de “Nova York é uma Cidade Maravilhosa”.

O filme seguinte de Donen é outro clássico musical, “Núpcias Reais”, onde ele teve a oportunidade dirigir seu ídolo Fred Astaire. Donen assinou um contrato de sete anos com a MGM e fazia parte do departamento musical comandado por Arthur Freed, que, por anos, foi responsável em produzir os maiores musicais do cinema. O longa traz uma das cenas protagonizadas por Fred Astaire mais lembradas até hoje, em que ele dança pelas paredes e no teto.

Donen, então, assumiu a direção de “Cantando na Chuva”, que é essencialmente um filme sobre a indústria do cinema e como foi a transição dos filmes mudos para os falados. Tudo funciona muito bem na obra, com seus números musicais muito acima da média e destaque, é claro, para a cena onde Gene Kelly dança pelas ruas cantando na chuva – literalmente.

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Dois anos depois, Donen dirigiu um musical que está praticamente esquecido hoje, mas é um dos melhores de sua carreira: “Sete Noivas para Sete Irmãos”. Coreografado por Michael Kidd, o filme tem coreografias impressionantes, principalmente na cena do baile, quando os irmãos do título tentam conquistar as moças enfrentando os antigos pretendentes delas. Donen abusa das câmeras Cinemascope que proporcionavam planos gerais perfeitos para a telona do cinema, junto com as cores quentes da fotografia no filme inteiro.

Em 1955, Donen dirigiu o musical “Dançando nas Nuvens”, que pode ser considerado quase uma sequência de “Um Dia em Nova York”, onde três soldados se encontram em Nova York dez anos depois de terem se encontrado na cidade pela última vez, só que, passados esses anos todos, eles têm muito pouco em comum. O filme é estrelado por Gene Kelly e traz boas sequências de dança, uma em particular muito boa com o ator dançando de patins pelas ruas de Nova York (ou melhor, nas ruas de Nova York construídas nos estúdios da Metro em Hollywood).

Depois do fim de seu contrato com a Metro, Donen trabalhou em outros estúdios e, em 1957, realizou outro grande musical inesquecível, “Cinderela em Paris” (dessa vez na Paramount), estrelado por Fred Astaire e Audrey Hepburn, dois dos atores preferidos do diretor. A história da tímida moça que trabalha em uma livraria, que sonha em conhecer Paris, é descoberta por acaso por um grande fotógrafo de moda, se torna uma modelo de sucesso e encontra o amor fascina o público até hoje. As músicas do longa são de autoria da dupla George e Ira Gershwin, com letras adicionais de Roger Edens e Leonard Gershe, e os números musicais são um melhor que o outro: Kay Thompson fazendo uma editora de moda de uma revista feminina cantando “Think Pink”; os personagens principais andando por Paris em “Bonjour Paris”; Audrey Hepburn dançando de preto num nightclub francês; a cena final com Fred e Audrey cantando o clássico “S’wonderful”… Esse filme fez com que Donen se consolidasse com um dos maiores diretores de musicais da história do cinema.

Com os musicais perdendo espaço a partir dos anos 60, Donen dirigiu filmes de comédia romântica, sempre imprimindo seu estilo. Em 1963, ele fez “Charada”, grande thriller cheio de reviravoltas estrelado por Cary Grant e Audrey Hepburn, que até hoje é um dos melhores filmes de mistério. Depois de três anos, ele voltou à direção com “Arabesque”, uma quase cópia do seu trabalho anterior, que serviu como veículo para Sophia Loren. Em 1967, ele voltou a trabalhar com Audrey Hepburn no subestimado “Um Caminho para Dois”, película que mostra os encontros e desencontros de um casal durante literalmente dez anos passando pela estrada da vida.

O último grande filme que Donen dirigiu é outra pérola escondida do cinema, “O Pequeno Príncipe”, de 1974, inspirado no clássico livro de Antoine de Saint-Exupéry. Quem cresceu nos anos 80 vai se lembrar desse musical que passava direto na Sessão da Tarde e que tem a participação de Gene Wilder como a Raposa, além de uma cena marcante com o coreógrafo e diretor Bob Fosse fazendo a Cobra (um certo rapaz chamado Michael Jackson se inspirou muito nessa cena para criar seus passos).

O diretor ainda dirigiu mais alguns filmes e foi convidado pelo cantor Lionel Ritchie para dirigir o clipe da música “Dancing on the Ceiling”, onde ele homenageia seu ídolo e amigo Fred Astaire reproduzindo a cena em que Fred dançava no teto.

Stanley Donen ganhou o apelido de o Rei dos Musicais e sua filmografia nos mostra exatamente isso, com honoráveis exceções. Ele era um dos últimos remanescentes da Era de Ouro de Hollywood e sua morte é uma perda inestimável. Porém, seus filmes continuarão a encantar as pessoas ao redor do mundo. Sua aparição na cerimônia do Oscar de 1998, quando ele foi receber seu prêmio honorário, é um dos momentos mais bonitos da festa, quando ele agradeceu de rosto colado com seu Oscar, cantando a letra de “Cheek to Cheek”:

“Heaven, I’m in heaven, (Paraíso, eu estou no paraíso)

And my heart beats so that I can hardly speak (E meu coração bate tanto que eu mal posso falar)

And I seem to find the happiness I seek (E eu pareço encontrar a felicidade que eu procurei)

When we’re out together dancing, cheek to cheek” (Quando nós estamos juntos lá fora dançando de rostos colados)

Renata Teófilo

Nascida no dia do Natal, a paulista Renata Teófilo se formou em Rádio & TV na Universidade São Judas e é uma apaixonada por Cinema.
NAN