‘Brasileira’, novo álbum de Anná, é lindo no som e na alma
Wilson Spiler
A multiartista Anná lançou recentemente seu segundo disco, Brasileira, nas principais plataformas digitais de música. A cantora que debutou em 2017 com o EP Pesada, lança seu novo trabalho após o álbum Colar, de 2020.
“Música de colagem” foi a marca registrada da artista mocoquense Anná em seus trabalhos anteriores. Desprender-se de rótulos e linearidades, bem como deixar os gêneros musicais flutuarem em levadas alternantes é um solo fértil muito explorado por Anná. Em Brasileira, as colagens se expandem, assim como a linearidade do tempo e do próprio universo, através do olhar sobre a história da música brasileira das últimas dez décadas.
O álbum traz duas mudanças bem significativas quando comparado aos lançamentos anteriores. Se antes, a cantora apenas dialogava com o samba, aqui ela assume de vez o ritmo e, pela primeira vez, abraça a força dos samplers digitais, beats e um certo tom pop.
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Espiral de sons
Mas só o samba não resume o ótimo disco Brasileira. Anná ousa e cria um fio que transforma a linha do tempo em uma espiral. Com oito faixas, entre elas, inéditas autorais e três releituras, a artista mergulha logo de início na modernidade de MC Tha com “Rito de Passá”, música que deu nome ao primeiro álbum de estúdio da cantora e compositora de funk, que através do olhar particular de Anná, ganha uma versão autêntica com samba-enredo, em homenagem ao carnaval perdido da pandemia.
Com a pagodeira Dessa Brandão dividindo os vocais e a rapper MC Souto, em resgate à ancestralidade indígena, trazendo seu conhecimento da mata e força dos orixás em versos precisos, a releitura se torna uma verdadeira ‘abertura de caminhos’ para a viagem no tempo que se inicia.
“Tico-Tico no Fubá”, canção de Zequinha de Abreu que foi imortalizada na voz de Carmen Miranda, também ganhou uma versão especial por Anná. A nova cara da música faz a junção direta e escrachada do hoje com o ontem diante da mistura de pagodão baiano com o clássico choro.
Viagem no tempo
Em seguida, “Valdineia”, composição do baiano Riachão, nos leva diretamente à Era do Rádio e dos sambas canções dos anos 40 e 50. Junto com integrantes do Samba de Dandara na base e com beats da produtora pernambucana Luana Flores, Anná explora a mistura de samba e funk na releitura.
Na sequência, a autoral “Tanta Gente” remete aos anos 60 e 70, em samba-rock e baião. Com fortes influência também do soul, a faixa faz referências de Geovana, a rainha do samba-rock, e Gonzagão, o rei do baião. A presença da atriz e cantora Amanda Magalhães, que também produz a música se alonga até a canção seguinte, “Me Cuidar”, que faz alusão aos anos 80 e 90. Na letra as cantoras falam sobre a importância de se priorizar dentro de relações.
“Somos Resistência”, composição de Girlei Miranda, representa os 90 e foi feita a partir de samplers da percussão do grupo Olodum. Em seguida, “Ano Doido”, traz uma espécie de funk misturado com frevo. Ao lado de Flaira Ferro, Anná mergulha no pancadão representando o começo do último século, os anos 2000 e 2010.
Por fim, “Volver” encerra Brasileira, sendo a primeira composição de Anná em inglês e espanhol. A música, que tem participação das cantoras Loreta Colucci e Sarah Roston, aborda um futuro ancestral, com a tecnologia da floresta futurista, de âmbar volátil, espaço sideral e plasma.
Capa de Brasileira
A capa do álbum é outro ponto a se destacar. Em vez do próprio rosto, Anná preferiu reverenciar a mulher negra em Brasileira. Afinal, em um disco todo focado basicamente em samba e funk, nada mais natural do que exaltar a raça. Feita em parceria com Casa Dobra e fotografada por Júlio César, e com a mestra Geovana e a jovem Dandara como centros da atenção, é um trabalho de uma qualidade tão fina que fica difícil encontrar termos para elogiar.
É praticamente impossível também encontrar algo que não mereça ser enaltecido em Brasileira. Anná faz tudo com tanta classe, misturando instrumentos, ritmos e visual ao álbum que parece que já estamos lidando com uma veterana, e não com uma artista que “nasceu” há poucos anos. Uma obra linda no som e na alma.
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