Arctic Monkeys sai da base lunar de volta ao concreto terrestre numa viagem estática em ‘The Car’
Mylena Larrubia
A banda Arctic Monkeys lançou nesta sexta-feira (21) seu sétimo álbum de estúdio The Car. Depois de cinco discos de sucesso com um rock que foi se tornando pop, o grupo confirmou neste lançamento a mudança sonora que fez no Tranquility Base Hotel & Casino, um disco conceitual, o sexto dos britânicos.
As guitarras distorcidas, que já haviam perdido certo espaço para o piano no álbum de 2018, ficaram ainda mais de lado nesta criação, também produzida por James Ford. As dez músicas da tracklist foram compostas por Alex Turner, o vocalista, que gravou as demos ao piano antes dos outros membros da banda tocarem suas partes. Nas letras do disco, fica marcada uma vontade de mostrar a convicção pela nova rota que estão traçando musicalmente.
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The Car e Tranquility Base
The Car está em diálogo com o Tranquility Base, mas sob outra perspectiva. No álbum, que tinha como conceito um hotel-casino em uma base lunar, a representação era de que, nos clipes, Turner andava sozinho pelo lugar. Ele estava sobre um solo, ainda que na Lua, e sempre em movimento, aparentando ter algum incômodo. Agora, o movimento está mais na ideia do carro do que nos aspectos estéticos do disco.
Na capa de The Car, o veículo está parado no alto de um prédio. No chão da cobertura em que o carro está, aparecem marcas dos pneus, indicando que girou por lá, mas sem sair do lugar. Talvez não se mova porque Arctic Monkeys encontrou seu lar: voltou à Terra. Mas não mais com aquela sonoridade experimental. Ela está parada e escolhida tão concretamente quanto o ambiente que rodeia o automóvel na capa. O instrumental, por outro lado, é estático, não por ser “paradão”, mas por estar equilibrado, sem dúvida, quanto à sonoridade diferente da original.
Faixas de The Car
A primeira faixa do álbum, “There’d Better Be A Mirrorball”, foi declarada por Turner – em mais de uma entrevista – como o ponto de partida para este trabalho do grupo. Também foi o primeiro single, lançado em 30 de agosto de 2022. Nela, há uma arrastada melancolia, irrompida com o primeiro verso, em que o compositor diz “não fique emotivo”. Parece dizer isso a si mesmo: “Não fique emotivo / O ontem está vazando pelo telhado / De alguma forma, dando-lhe o velho tolo romântico / Parece se adequar melhor ao clima”. Ele aparenta expor, como as antigas narrativas das músicas – que eles abandonam neste álbum – se encaixavam mais com o formato vendido pela indústria musical, e que é mais aceito pelos fãs.
Processo de criação
Em seguida, em “I Ain’t Quite Where I Think I Am”, último single, lançado dois dias antes de The Car estrear, a letra transparece algo como se o processo de criação das músicas de Arctic Monkeys pusesse a banda em um lugar que não era para estar. No trabalho que Turner fez com Miles Kane, o duo The Last Shadow Puppets, por exemplo, o compositor já apresentava sonoridades mais próximas do Tranquility Base e deste álbum. Faltava, então, conseguir tirar o grupo de onde parecia ter que estar, para que pudessem estar onde queriam estar.
“Espere, há a outra ilha agora
E eu posso ver as duas ilhas agora
Do meu ponto de vista”
Ainda nesta segunda faixa do álbum, o que a letra relata também pode querer dizer que a banda não estivesse num patamar tão inalterável quanto eles pensavam. A nova pegada instrumental do grupo não precisaria estar em outro lugar físico, tal como no do contexto fora da Terra do conceito do Tranquility Base, para fazer sentido. Eles podiam tocar essa variação musical neste planeta, numa cidade qualquer, em um carro ou onde escolhessem.
Além disso, ressaltar o ponto de vista alcançado pelo disco parece conversar com a música “One Point Perspective”, do álbum anterior, em que Alex Turner se via paralisado, sob a perspectiva de um único ponto que não era dele. Ele se queixava da indústria da música, dizendo “suponho que o cantor deve morrer”, ou seja, um pensamento em que achava que suas vontades, quem ele é, deveriam ser apagados para que conseguisse entrar no jogo do mercado musical. Porém, agora, observar as duas ilhas, os dois tipos de produção sonora pelos quais a banda passou, deu aos Monkeys a possibilidade de perceber que podem transitar por onde quiserem.
Para os fãs do AM
E, para a legião de fãs do “AM”, quinto álbum de estúdio da banda, em “Sculptures Of Anything Goes”, um riff sintetizado faz parecer que a qualquer momento vai começar a tocar “Do I Wanna Know”, grande sucesso daquele disco. Mas esse som parece estar assombrado, assim como nos instrumentais do “Humbug”, terceiro disco. Então a lembrança sonora desses momentos anteriores morre, e a voz de Alex Turner ecoa. As esculturas citadas na letra podem ser vistas como representações de algo que é fixado em algum lugar, tal qual a música que faziam, que está fixada no passado. E pode até ser admirado, mas não vai deixar de marcar apenas o que já foi.
Avançando nas faixas de The Car, “Jet Skis On The Moat” tem a característica de sensualidade no instrumental, já conhecida em relação à banda. Em “Body Paint”, segundo single do álbum a ser lançado, Turner diz: “tão previsível, eu sei o que você está pensando”, como se, tudo o que ele costumava criar, se tornasse óbvio hoje. Além disso, no clipe, a frase é dita pelo vocalista e por sua imagem, virtual, repetida duas vezes.
A previsibilidade está, então, presa em uma gravação, ilustrando que não corresponde mais à realidade. Se a ideia do termo “futurismo” tem um som, ela deve ser muito similar a esse instrumental. No vídeo também, uma vela se apagando e um homem parado enquanto vê um avião pousar, pode ser interpretado como o retorno da Lua que os Monkeys fizeram, ao mesmo tempo em que apagam o antigo modo sonoro que criavam.
Memória de criança
Em “The Car”, faixa que dá nome ao álbum do Arctic Monkeys, Turner descreve uma memória de quando era criança e viajava de carro com o pai em algum feriado, ouvindo swing no rádio, segundo ele declara em entrevista a Zane Lowe para a Apple Music. Ao falar sobre isso, o cantor esclarece como, para ele, um veículo é um lugar comum em diferentes fases da vida, justificando a escolha do nome da música e do disco.
Em “Big Ideas”, a letra volta a comentar a virada musical da banda, mas constatando que, desde que entraram na nova sonoridade, “a orquestra” os cerca e, assim, não é possível lembrar de como desenvolver o que criavam antes. Na música “Hello You”, de forma similar, fala sobre a variação musical que estão reafirmando neste disco, enquanto declaram serem gratos:
“Leia a mensagem que deixei no cartão de agradecimento
Ultrapassando o trator
Esperando por ventos e curvas para nivelar novamente
Escolhendo seu momento ao longo de uma estrada rural
Do tipo em que as harmonias se sentem em casa”
Seguindo as letras que manifestam como eles estavam fazendo uma música que não correspondia mais à realidade da banda, “Mr Schwartz”, que Turner afirmou na entrevista para a Apple Music ser um personagem de um set de filmagem, mostra que ele se sentia representando alguém ou algo que não era para ter sucesso:
“E se adivinharmos quem estou fingindo ser
Ganhamos um prêmio?”
O sentido de The Car
E na última faixa, “Perfect Sense”, é como se, de fato, o álbum fizesse todo o sentido. Os Arctic Monkeys aceitam sua nova faceta, vendo que não precisam mais estar competindo na indústria da música. Eles, da mesma forma em que o carro que chegou ao topo de vários andares para poder parar, se deparam com uma reta final, a partir de uma carreira sólida, assim como o concreto dos prédios da capa do disco, que os permite tocar o tipo de música que os faça querer subir ao palco para poder dizer um “boa noite” ou o que seja ao público.
“Às vezes, eu envolvo minha cabeça em torno disso tudo
E faz todo o sentido
Continue me lembrando que não é uma corrida
Quando minha sequência invencível se transforma na reta final
Se é isso que é preciso para dizer ‘boa noite’
Então é isso que é preciso”
A banda fará uma transmissão ao vivo no Kings Theatre, Brooklyn, que estreia no YouTube neste domingo (23), às 16h do Brasil. Eles também apresentaram “Boty Paint” no The Jonathan Ross Show, na ITV neste sábado (22). Confira a performance:
https://youtu.be/19nz5oWwGyM
Shows do Arctic Monkeys no Brasil: datas, locais e ingressos
E logo depois do lançamento de The Cars, o Arctic Monkeys passará pela América Latina, com três shows no Brasil em novembro. Confira as datas, locais e onde comprar ingressos.
- Rio de Janeiro: dia 4, Jeunesse Arena
- São Paulo: dia 5, Primavera Sound
- Curitiba: dia 8, Pedreira Paulo Leminski
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