Ao Seu Lado
Crítica do filme
“Eloá é sequestrada e assassinada porque o ex não aceitava o fim do namoro’, “Violentamente espancada pelo companheiro”, “ferida com golpes de facão”, “amarrada dentro da própria casa”, “incendiada pelo marido”, “‘Ele não parou mesmo vendo meu desespero’, relata carioca estuprada pelo próprio marido”. Essas são chamadas de matéria que todos os dias são veiculadas pela imprensa. A violência contra a mulher está presente em todos os estados, em todos os níveis sociais. No próximo dia 07/08, é comemorado os 10 anos da Lei 11.240, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, homenagem a farmacêutica brasileira que lutou para que seu agressor viesse a ser condenado. Com 71 anos e três filhas, hoje ela é líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres, vítima emblemática da violência doméstica. No clima da comemoração deste, ainda, mínimo avanço, estreia no circuito nacional, nesta quinta-feira (04/08), o longa nacional Vidas Partidas, que narra a história de uma vítima de violência doméstica.
Vidas Partidas conta a história do casal Graça e Raul, que ao se apaixonarem perdidamente, num Brasil da década de 80, casam-se e tornam-se pais de duas meninas. Os dois possuem uma relação ardente, onde há uma simbiose existencial provocada por alta passionalidade. Tudo vai bem, até que Graça avança em sua carreira, ficando Raul desempregado. Para não desequilibrar o relacionamento, Graça pede um favor a um amigo e ex-marido, que secretamente indica Raul a uma vaga de professor na Universidade, garantindo a ele um emprego. Ao igualar-se financeiramente a Graça, Raul, gradativamente torna-se agressivo, tratando-a cada vez com mais possessividade. As cenas de ciúmes tornam-se frequentes e começam as agressões físicas e psicológicas, resultando num crime de violência doméstica. O filme é livremente inspirado nas alarmantes estatísticas de crimes praticados contra a mulher no Brasil e no mundo.
Dados recentes do Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres mostram que a cada duas horas, uma mulher é assassinada no Brasil. O país é o quinto mais violento para elas em um ranking de 83 nações que usa dados da Organização Mundial de Saúde. Segundo a OMS, em uma década – entre 2003 a 2013 – em média, 11 delas foram assassinadas no Brasil todos os dias. Desses 83 países comparados, o Brasil só está atrás de Rússia (4º), Guatemala (3º), Colômbia (2º) e El Salvador (1º); 55% dos crimes de violência de gênero no Brasil foram cometidos no ambiente doméstico, onde 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.
Graça (Naura Schneider), é uma mulher bem-sucedida e apaixonada que, depois de alguns anos casada, é vítima de um crime de violência doméstica no Brasil dos anos 80. Raul (Domingos Montagner) é o marido, um homem sedutor que, por ciúme, transforma-se em algoz. No início do filme, se vê um casal harmonioso, cheio de paixões. Isso é bem mostrado nas cenas quentes. Tudo isso vai desmoronado conforme Raul vai crescendo profissionalmente e financeiramente, graças a sua companheira. Quando ele se vê ganhando tão bem quanto ela as cenas de ciúmes são frequentes e começam as agressões física e psicológicas. Não pense você, leitor, que a personagem da Schneider é uma mulher frágil, ela mostra a dualidade de mulheres fortes, porém vulnerável. Aquela mulher que faz parte das estatísticas criminosas. Para viver Graça, Naura entrevistou mulheres vítimas de abuso pelos seus companheiros.
Lançado em 2013, Naura, produziu o premiado em festivais da América Latina, o documentário Silêncio das Inocentes, sobre a aplicação da Lei Maria da Penha no Brasil. Aqui, ela assina a produção de Vidas Partidas, além de ser a protagonista. Sua ótima performance e forte atuação que retrata muito bem as vítimas de agressões praticadas pelos próprios companheiros. O espectador, indignado, se emocionará e lacrimejará os olhos.
Para piorar ainda mais, Raul se envolve com uma estudante, Julia (Juliana Schalch) uma ninfeta que investe e consegue ter um caso extraconjugal com seu professor.
Montagner faz uma atuação muito forte. Ele é um homem dominador, pincelado desde o trancar das portas na abertura, vai se revelando no ciúme, levando-o a controlar suas amizades, até chegar à violência psicológica e física que arrastam a trama para um tribunal em 1992. Sob o olhar da empregada Nice (Georgina Castro), uma cena muito impactante, quando o casal estão discutindo na sala e Raul agride Graça pela primeira vez. É algo que com certeza vai impactar a plateia.
O destaque vai para a estreia de Marcos Schechtman, conhecido pelos seus trabalhos na direção das novelas de Glória Perez. Aqui ele faz uma ótima direção e conduz muito bem o roteiro de José Carvalho (Bruna Surfistinha), além de explorar as atuações dos protagonistas aos coadjuvantes. Pode-se parabenizar a opção do roteiro retratar um casal de classe média, bem-instruído, para explicitar que isso pode acontecer em qualquer meio social, e a preocupação do diretor em fazer um registro cinematográfico, apesar da sua grande experiência com televisão.
O elenco ainda conta com as atuações dos ótimos Suzana Faini, na pele da Dona Marli, mãe de Graça, Jonas Bloch, promotor do caso, Denise Weimberg, Jupiza do caso, Milhen Cortaz, Delegado Delmar e grande elenco.
Vidas Partidas tem ambientação nos anos 1980, justamente por essa justiça histórica, época em que pouco se falava em violência doméstica e que “em briga de marido e mulher não se metia a colher”, como reza o famoso dito popular. O filme é uma ótima oportunidade para se acalorar os debates que estão em destaque pelo país neste momento. É um drama com bom roteiro, boa direção, atuações memoráveis e que vão emocionar os espectadores.
Filme visto na 20ª edição do Cine PE – Festival Audiovisual, em maio de 2016.
TRAILER:
https://youtu.be/EBofuLPbM9s
FICHA TÉCNICA:
📷: Gianne Carvalho / Divulgação