Para a produção de um filme se concretizar, é necessária a compreensão de sua linguagem, de quem é seu espectador e do conteúdo a ser transmitido. O cinema não é menos interativo que uma peça. Mesmo sem plateia direta, a conexão entre ator, câmera e espectador pode ser estabelecida de forma poética.
Com uma mise en scène distinta, a direção encontra um desafio ao adaptar uma peça (do seu texto a atuação) para um filme. E, nesse quesito, o filme A Árvore, com texto de Silvia Gomez, texto de Ester Laccava – que também dirige ao lado de João Wainer -, se supera.
A compreensão é de que, agora, a atriz (Alessandra Negrini) deve se conectar mais ainda consigo mesma. Afinal, sua interação não é com uma câmera e sim um público que não pode ver. Assim, a “solução” encontrada nessa adaptação é quebrar essa quarta parede. Como seria na peça, é estabelecido um monólogo.

A Árvore crítica filme peça teatro

Foto: Divulgação

Elenco solo 

A personagem central é uma mulher, sem nome dado, que recebe um pedido um tanto quanto comum, mas também singular. Ambientado na pandemia que passamos, recebe uma carta de sua vizinha, pedindo que regue as plantas do seu apartamento, pois estará ausente de casa. A vizinha é Sabina, única personagem apresentada por nome.
A protagonista não nos é apresentada como pessoa apenas. Ultrapassa o visual. Conhecemos a sua essência e, em especial, seus conflitos. A protagonista entra em um estado de transe, uma busca por autoconhecimento.
Quando o contexto e espaço são inseridos, é notório o contraste proposto. São Paulo, grande centro urbano, e a natureza existente (árvores e arbustos), bem como o cinza dos edifícios com o verde da vegetação. Essa dicotomia é um dos embates no pensamento da protagonista, que, em um desabafo, no qual chama de relato, inicia o processo de reflexão no espectador. As falas poéticas trazem reflexões, ditas pela própria personagem, como eternos clichês, que, mesmo sendo conhecidos e discutidos, ainda “atormentam” nossas cabeças.
O pedido inesperado de sua vizinha Sabina e os anseios da mulher são os guias para uma mudança. Assim como em “A Metamorfose”, de Franz Kafka, sendo uma transformação radical. De modo progressivo e conflituoso, a personagem verá seu corpo se transformando em uma estrutura vegetal. Dessa forma, o monólogo apresentado pela personagem de Alessandra Negrini nos convida a presenciar e fazer parte dessa transformação.

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Foto: Divulgação

Conexão, raízes, veias, seiva, sangue

Além disso, é estabelecida uma comparação entre ser humano, vida e árvore. Cheio de simbolismos, um paralelo é criado entre o corpo humano, sua estrutura, com veias, sangue, a uma árvore, com raiz e seiva.
Aliás, a conexão simbólica proposta entre o ser humano e uma arvore é estabelecido por algo vital para a vida: a água. Afinal, todos precisam de água. E, assim, de modo poético, se mostra como o comum a todos.
Ademais, a personagem conta que anda quebrando tudo e logo promove um paralelo entre sangue e seiva. Enfatizando, dessa forma, a metamorfose que a afeta e a comparação proposta entre o ser humano e o vegetal.

Ruínas x Construir

Durante diversos momentos, a protagonista propõe a concepção da dialética entre ruínas e construir. O quebrar tudo, transformar em ruínas, ao passo que também sofre uma transformação, um processo que pode ser visto como uma construção. Ruína é o que somos e construir é o que queremos. “Estar quebrada é também o seu próprio relato”, é a reflexão que propõe. Uma aversão a si própria está em uma mudança que causará uma ruptura radical na sua concepção como ser.

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A montagem mais frenética propõe um ritmo rápido ao filme. Como em uma ação, no qual termos uma bomba prestes a explodir, a mulher está prestes a se transformar, a ser tomada pelas raízes do apartamento de Sabina, que causará uma imobilidade, tal qual uma árvore.

‘A Árvore’ é um filme comum?

Assim como todos nós, a protagonista busca se redescobrir ou descobrir, conectar sobre o “eu”. O que ela representa, em corpo, matéria e essência, como na lógica do pensamento dos princípios da metafísica de Aristóteles. Como ao olhar para um espelho, nos reconhecemos, mesmo que apenas em matéria, sendo uma sugestão para compreender a nossa formação em essência. De fato, a obra é uma constante reflexão. Rica em metáforas e analogias, e com bastante simbolismo.
Enfim, é necessário encarar o filme A Árvore como além de uma produção audiovisual ou mais um entretenimento. É conectar-se não apenas ao visual, ao que pode ser visto, mas também ao dito e falado. Experiência de ver, escutar e, então, sentir.

FICHA TÉCNICA DO FILME ‘A ÁRVORE’

Direção: Ester Laccava, João Wainer
Roteiro: Ester Laccava
Elenco: Alessandra Negrini
Distribuição: Teatro Faap
Onde assistir ao filme ‘A Árvore’: Tudus (de 26 de fevereiro a 18 de abril, sextas e sábados às 20h e domingos às 19h)
Quanto: R$ 30,00.
Data de estreia: sex, 26/02/21
País: Brasil
Gênero: ficção, drama
Ano de produção: 2021
Duração: 70 minutos
Classificação: 14 anos