Ao Seu Lado
Crítica do filme
O primeiro longa-metragem diretora argentina Mónica Lairana, La Cama, tem coprodução internacional (Argentina, Alemanha, Brasil, Holanda) e estreou internacionalmente na 68ª edição do Festival de Berlim, o que rendeu ao filme prêmios de Melhor Diretora Argentina e Melhor atriz Argentina no Mar Del Plata International Film Festival de 2018.
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A obra de Mónica Lairana apresenta uma perspectiva não convencional sobre a separação ao mostrar um ponto de vista intimista e melancólico, ao tratar do doloroso processo de separação do casal sexagenário Mabel e Jorge, que após 30 anos de casamento divorciam-se e vedem a casa em que viviam. A trama ocorre durante as últimas 24 horas do casal na residência em que viveram durante o tempo de casados onde guardam memórias. Além do tema central a diretora argentina, toca em em subjetividades ligadas ao medo de envelhecer, declínio do corpo, a solidão e a partir dessas ideias, nos leva a refletir sobre tabus relacionados a sexualidade, a depreciação dos corpos mais velhos e seus sinais da idade, e um olhar sobre a necessidade entender as fases do amor, a evolução desse sentimento mesmo com o fim do relacionamento, como já dizia Seu Jorge em “Pessoal Particular” quando canta que “não acabou o amor, só o compromisso”.
Em entrevista exclusiva para o BLAH!ZINGA, a diretora de La Cama, Mónica Lairana, nos falou de sua visão e ideias para o filme, sobre suas expectativas no lançamento no Brasil, como tem sido a recepção do longa-metragem, a importância de abordar essas temáticas, consequências e significados. Confira:
Mónica Lairana: A verdade é que, quando me proponho a fazer filmes, sempre me estou muito atenta para que seja igualitário, para todos os personagens, sem fazer uma diferenciação ou colocando alguém como culpado ou vítima. Foi mais fácil trazer um olhar feminista, de gênero pois tenho curtas sobre feminismo. Dois curtas muito feministas, mas se tratando desse filme, é de uma geração de mulheres que não é a nossa. Uma mulher pela qual o marido foi o único homem. Outra geração, outra maneira de viver. O filme não explica o motivo da separação porque não queria nenhum ponto de vista que fizesse o público julgar a relação através da separação. Queria que o espectador pudesse simplesmente observar a separação.
ML: O primeiro curta-metragem que fiz, “Rosa”, tem uma relação em primeiro lugar por ter uma protagonista chamada Rosa, também de 60 anos, que tem sua vida solitária em Buenos Aires retratada no filme, sua luta para se sentir plena como mulher, apesar da idade e do sentimento de solidão, também tem a sexualidade de uma mulher dessa idade. O curta-metragem aborda também a nudez, o corpo nu, assim como em “La Cama”. Tem muito em comum pois ambos os trabalhos falam de uma etapa da vida, por volta dos 60 anos ou 70 anos de idade, em que se abordar a sexualidade é um tabu na nossa sociedade, porque o cinema não retrata o sexo de pessoas na idade dos nossos pais e avós, e não que eles não sejam mais seres sexuais, mas é como se alguém negasse a eles esse direito. Ambos os trabalhos, o curta e “La Cama”, não veem nenhuma vergonha em falar sobre isso, e os dois lidam com o corpo nu, o corpo real, o corpo natural e ocupam esse lugar de reivindicação contrariando ao que vemos cotidianamente, como sociedade, e culturalmente, em que nos leva a pensar que só há beleza no corpo jovem, ou só tem o direito de mostrar o corpo nu se for jovem. Ambos trabalhos, para mim, são políticos pois reivindicam o rompimento de um ponto de vista. O tratamento estético e narrativo, no meu ponto de vista, foram muito similares, os dois filmes tem como característica a câmera fixa e planos longos também.
ML: O ponto de partida foi que eu me separei. Retratar esse processo que eu havia experimentado me pareceu muito motivador, muito forte. Esse foi o ponto de partida. Depois, o que ocorreu foram duas coisas: por um lado, por alguma razão, que eu não sei se foi alguma em especial, queria que fosse um processo meu a ser contado, mas não a partir da minha idade e sim dessa etapa da vida que de pessoas mais velhas. Para construir a narrativa fui colocando pequenos momentos que eu experimentei pessoalmente, tornando esse filme muito fiel na maneira de contar o que vivi, criei conexões com essas experiências. Para construir personagens, conversei com pessoas próximas que traziam características que somariam traços a esses personagens. Agora vou te contar algo que nunca falei em entrevistas (risos): o personagem Jorge tem características da personalidade do meu pai. Meu pai tinha uma personalidade muito parecida com a do personagem, deve ser por isso que amo tanto e ao mesmo tempo que nem tanto assim (risos). Dessa maneira, fui construindo personagens reais, misturando com minha própria experiência e depois eu estaria tratando de sexualidade e separação, contar essa história utilizando de poucos diálogos, colocando o espectador como um observador de todo o drama dessa situação que esse casal está enfrentando. Para construir essa sensação de espionar a intimidade do vizinho, coloquei a câmera fora quarto, no canto do lado de fora da porta. Decidi em manter a câmera fixa para que não houvesse constrangimento dos “observados” e dos “observadores” dessa pequena situação que estamos vendo. Essa foi a construção que pensei e que acredito ter funcionado para esse filme.
ML: Meu maior desejo é que esse filme seja um chamado de atenção, como um grande farol, nos lembrando, dizendo “o que estamos fazendo?”. Eu quero que… na verdade, meu maior desejo é que, através do filme, em algum momento, as pessoas pensem sobre o que estamos fazendo com nossos relacionamentos, não apenas os amorosos, mas com nossos familiares, amigos, todas as pessoas. As pessoas não têm mais tempo para construir e investir nas suas relações porque gastam muito do seu tempo no Twitter, Facebook, Instagram… Sempre me pergunto muito se estou dando meu melhor para a outra pessoa. Para se construir uma relação exige tempo, paciência, empatia e escuta. Tenho para mim que nos perdemos pois não há mais escuta. Porque se eu não escuto de verdade, não sei o que está acontecendo na relação. Para mudar a forma como nos relacionamos, precisamos resgatar nosso tempo, e nós começamos a fazer isso ao deixar nossos celulares de lado. O segundo passo é reaprender a escutar o outro.
ML: A recepção tem sido muito bonita. Muito humana. Há duas maneiras de receber esse filme: a primeira é um choque, pelas cenas de sexo, conteúdo adulto, nudez; a outra é mais humana, emotiva, de muita sensibilidade. Tiveram muitas pessoas chorando, pessoas que queriam falar mas não conseguiam de tanto chorar. Ao final da sessão, abracei essas pessoas, mas acho que a outra maneira de reagir, pessoas que têm uma resposta de choque, ficam mais distantes, mas também foram alcançadas pela mensagem do filme, só que de outra maneira, e então adotam essa posição como uma forma de defesa. Me lembro de uma diretora de cinema argentina que assistiu ao filme e, ao final, não me disse nada e saiu, passaram-se umas duas semanas e então ela me escreveu “perdão por não ter falado nada com você, mas ainda estou assimilando o filme. Me pareceu muito forte, me tocou tão profundamente que simplesmente não sabia o que dizer.” Esse tipo de reação aconteceu outras vezes, com outras pessoas. Algumas pessoas, às vezes, demoram para sentir, processar, assimilar o filme de maneira plena e que, ainda assim, as toca. Aconteceu algo engraçado, porque alguns homens disseram que estavam de cueca lavando a louça e então perceberam que eles eram o personagem do filme.
ML: Eu tinha duas intenções com este filme, a primeira era tratar da separação por outra perspectiva e a outra era tratar da intimidade e a vida cotidiana. Nossa vida é a soma de levantar, escovar os dentes e essa vida cotidiana gera intimidade e cores. Foi muito importante construir isso, dar importância, esse valor, prestar atenção nesses detalhes na nossa vida cotidiana, por isso também, a um nível sonoro, me interessou construir um universo sonoro em que todos vivemos, o barulho da torneira, porta dos fundos. Sua própria intimidade e seu próprio barulho sonoro. Para mim isso foi muito importante.
ML: Para mim, o elemento cama é muito como uma representação do casal. Também porque a cama representa não apenas a intimidade, mas também, a vida, assim como a morte. A morte, pois, algumas pessoas são veladas na cama então simboliza também a escolha disso. Também porque me pareceu simpático e gracioso que o único móvel que não conseguem remover da casa é a cama.
ML: (Os brasileiros) Deveriam assistir “La Cama” porque escrevi pensando que irão se emocionar, reconhecer em outras coisas, rir e chorar. Uma experiência linda!
La Cama estreia na próxima quinta-feira, 25, nos melhores cinemas do país.
Título original: La Cama
Direção: Mónica Lairana
Roteiro: Mónica Lairana
Elenco: Sandra Sandrini, Alejo Mango
Distribuição: Livres Filmes
Data de estreia: qui, 25/04/19
País: Argentina, Alemanha, Brasil, Holanda
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 110 minutos