Primeiro longa-metragem de Gregório Graziosi, “Obra” apresenta um olhar crítico e contemplativo sobre a cidade de São Paulo, explorando as diversas camadas de sua memória.

Nesse filme, São Paulo transcende sua posição de cenário, ela também é protagonista. Aparece como uma cidade sem horizonte que funciona como uma panela de pressão para o universo daqueles que a habita.

Já em suas primeiras cenas há uma reflexão que será a metáfora de todo o filme: o dilema enfrentado na arquitetura entre a restauração como uma forma de preservação da memória e a implosão como o caminho para começar de novo.  

O enredo é guiado pela trajetória de um arquiteto interpretado pelo pernambucano Irandhir Santos durante seu trabalho com um projeto incrível, o qual julga ser o projeto de sua vida. O arquiteto trabalha com seu pai que é engenheiro em um antigo terreno da família. Nisso, o protagonista é surpreendido pelo surgimento de uma ossada humana durante a escavação do terreno, o que remete diretamente ao período da ditadura militar. Episódio que dará início a uma grande crise existencial que o fará colocar sua própria família em questionamento.

O primeiro movimento desse personagem é de tentar esquecer isso em prol de sua família, mas esse passado se impõe ao longo da trama em uma espécie de retorno da memória para a superfície,  principalmente por conta da figura de Pedro, mestre de obras e antagonista do filme.  

marku-ribas-e-irandhir-santos-nos-bastidores-do-filme-obra-de-gregorio-graziosi-centro-ribas-participou-do-longa-em-fevereiro-de-2013-e-morreu-em-abril-do-mesmo-ano-1409765426552_956x500

E é aqui que a dubiedade da cena inicial se apresenta novamente, só que dessa vez, além do universo arquitetônico, o protagonista não sabe se dá continuidade a sua obra ou se investiga aquela memória coletiva que se apresenta diante de si. Nesse ponto, Graziosi expõe uma questão importante: a quem pertence o direito de preservação da memória que é da cidade?

Os diálogos curtos, pausados e cortados são supridos pela valorização da linguagem corporal e da linguagem arquitetônica da cidade de São Paulo. A tensão psicológica vivida pelo arquiteto se reverbera em seu corpo. Nesse aspecto, a atuação de Irandhir é implacável. O corpo que se contrai de dor se apresenta como um instrumento orgânico e latente que é o contraponto à arquitetura cinza e ostensiva da maior metrópole brasileira.

Obra_cena03_GregorioGraziosi

São Paulo é representada uma cidade invasiva, opressora e agressiva que a todo momento está sobrepondo seu peso sobre os corpos. A trilha sonora é uma estratégia fundamental que permite ao expectador viver essa sensação de desconforto e agitação. Durante todo o filme, está presente os sons da inquieta cidade que nunca dorme.

Outro destaque do filme é a fotografia em preto e branco, baseada no trabalho estético do fotografo Cristiano Mascaro. O aspecto temporal está intrinsecamente ligado ao tipo de enquadramento que foi dado ao filme. A câmera parada passa a sensação de que temos tempo para olhar com atenção a ambientação e a relação dos personagens com o espaço. O que mais chama atenção é a distância e a frieza com que os personagens são filmados.

Graziosi aborda temas como o isolamento, a opressão das pessoas diante da metrópole e a alienação entre indivíduos de diferentes gerações em uma perspectiva rígida e dura como o concreto. Nos tira da zona de conforto ao sobrepor a experiência estética aos diálogos e a ação dos personagens. A “Obra” é capaz de aflorar nossa sensibilidade e de levantar indagações sobre problemas universais usando como palco uma única cidade.


FICHA TÉCNICA
NOME ORIGINAL: Obra
PAÍS DE ORIGEM: Brasil
GÊNERO: Drama
DURAÇÃO: 80 min
ANO: 2014
DIREÇÃO: Gregorio Graziosi
ROTEIRO: Gregorio Graziosi, Paolo Gregori
EDIÇÃO: Gabriel Vieira de Mello
FOTOGRAFIA: André S. Brandão
DIREÇÃO DE ARTE: Mario Saladini, Vera Oliveira
PRODUÇÃO: Zita Carvalhosa, Leonardo Mecchi
PRODUTORA: Cinematográfica Superfilmes
ELENCO: Irandhir Santos, Júlio Andrade, Sabrina Greve, Lola Peploe, Marisol Ribeiro, Christiana Ubach

Sinopse

São Paulo. Às vésperas do nascimento de seu primeiro filho, um arquiteto, João Carlos, encontra uma ossada na obra que está prestes a iniciar. A descoberta desestabiliza sua vida, fazendo com que ele questione sua profissão, a cidade em que vive e até mesmo o relacionamento com sua esposa.