A palavra herói foi cunhada originalmente na Grécia e era usada para designar o protagonista de uma obra narrativa ou dramática. Nas histórias mitológicas, o dono deste epíteto era capaz de desempenhar feitos maravilhosos. Além disto, era fruto da relação entre um deus e um  humano. Com o passar dos séculos, ela foi adquirindo múltiplas aplicações e, em alguns casos, sendo banalizada. Hoje, um herói pode ser um jogador de futebol que marca o gol decisivo de um campeonato. Ou alguém que, em uma situação extrema, age com coragem e determinação. Porém, heróis, muitas vezes, são como ídolos de barros e não resistem ao teste do tempo. Na manhã do dia 15 de janeiro de 2009, ao pousar o voo 1549, da US Airways, nas gélidas águas do rio Hudson, em Nova Iorque, após se chocar a uma revoada de gansos canadenses minutos depois de decolar do La Guardia, o capitão Cheslley “Sully” Sullenberger foi rapidamente alçado a condição de novo herói norte-americano. E não era para menos. Em um país ainda traumatizado pelos incidentes aéreos do 11 de setembro, a façanha de salvar a vida dos 150 passageiros e cinco tripulantes era digna de todas as honrarias e homenagens possíveis. Contudo, se a imprensa e o povo o saudaram assim, o piloto foi investigado pelo órgão que controla a aviação civil nos Estados Unidos, que o acusou de ter escolhido a solução mais arriscada e não a mais prudente, já que, teoricamente, existiam alternativas mais seguras como voltar ao aeroporto de origem ou ir para a pista de Terteboro, em Nova Jersey. A parir daí, muita gente começou a se perguntar: Herói ou vilão?

Uma adaptação do livro homônimo escrito pelo próprio Sullenberger, Sully – O Herói do Rio Hudson (Sully), com direção de Clint Eastwood, foca, principalmente, na investigação do acidente, mas sem negligenciar tudo o que aconteceu antes do Airbus A320 se chocar com os pássaros. Assim, a opção foi abdicar da narrativa linear, tão comum em cinebiografias, e contar esta história por meio de três narrativas que vão se alternando e se entremeando, naturalmente, na telona, através da edição caprichada, e cotadíssima ao Oscar, de Blu Murray. Ao longo de todo o filme assistimos Sully (Tom Hanks, excelente) chegando ao aeroporto e se preparando para voar; pilotando o avião; e sendo minuciosamente interrogado pelos investigadores. Como esta é uma obra baseada em fatos reais, a resposta em relação ao que aconteceu com o protagonista pode ser obtida por qualquer espectador com uma rápida pesquisa na internet e isto poderia muito bem estragar o desfecho da trama, criando uma espécie de anticlímax. No entanto, o roteiro de Todd Komarnicki consegue, com maestria, colocar uma pulga atrás da orelha do público. Em alguns momentos, dá até para acreditar que estamos diante de outra obra: “O Voo” (2012), em que o capitão Whip Whitaker, interpretado por Denzel Washington, vive uma situação bastante semelhante a do capitão Cheslley Sullenberger, mas com um final bem diferente. É praticamente impossível não fazer esta associação vendo os dois filmes.

O conceito de herói, explicado no início desta crítica, não é discutido durante o longa-metragem apenas por meio da oposição com o conceito de vilão. Ao dar voz a Sully, o cineasta nos mostrou que o capitão não se considera um herói. Primeiro, porque teve a ajuda da sua tripulação encabeçada pelo copiloto Jeff Skiles (Aaron Eckhart, também excelente) e depois porque ele é o tipo de sujeito que, por amar muito uma coisa, no caso voar, consciente e inconscientemente, desde sempre se preparou, o tempo todo, para aquele momento. Como piloto, jamais imaginou que, um dia, sofreria um acidente com aquelas características, porém, ao sofrer, a dedicação de toda uma vida fez a diferença. Há até uma cena que o retrata, ainda jovem, dando os primeiros ‘passos’ dentro de uma aeronave. O mesmo ocorreu com Clint Eastwood. A transição de ator canastrão (apesar de icônico) para diretor de renome não aconteceu da noite para o dia. Foram muitos anos de preparação para que, hoje, fôssemos ao cinema com a certeza que dificilmente um filme seu terminará em desastre. E esta certeza se renova aqui. Pode não ser o melhor trabalho de toda uma vida, como foi  para o capitão Cheslley Sullenberger pousar o voo 1549, mas não deixa de ser um trabalho de respeito que deixará seus fãs orgulhosos.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Título original: Sully
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Todd Komarnicki
Elenco: Tom Hanks, Aaron Eckhart, Laura Linney
Distribuição: Warner
Data de estreia: qui, 15/12/16
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2016
Duração: 96 minutos
Classificação: a definir