Baseado no livro “Fábulas de Mumbai”, de Gyan Prakash, um historiador e professor indiano da Universidade de Princeton, o longa-metragem Bombay Velvet, do cineasta Anurag Kashyap, narra a saga de Balraj (Ranbir Kapoor) e Rosie (Anushka Sharma), ao longo de 21 anos, de 1949 a 1970. Ele, um órfão do interior, destinado a viver de pequenos furtos, ela, uma menina de Goa, enclave português em meio à Índia britânica, dona de uma voz de veludo, mas também destinada a cantar em uma igreja pelo resto da vida. No entanto, ao serem adotados, seus caminhos se cruzarão nas ruas da efervescente Bombaim dos anos 50. Sob os holofotes da cidade grande, suas pretensões mudarão. Inspirado pelo personagem de James Cagney, em “Heróis Esquecidos” (1939), e com a alcunha de Johnny, ele perseguirá o sonho de ser um big shot (em português, algo como figurão). Já ela vislumbrará um futuro diferente como cantora de jazz.
Fã declarado de Martin Scorsese e dos romances policiais de James Ellroy, cujas histórias, respectivamente, se passam em Nova Iorque e em Los Angeles, metrópoles que serviram de modelo para o desenvolvimento de Bombaim, o diretor presta uma homenagem descarada aos filmes noir e de gângsteres. A trama dirigida por Kashyap contempla todos os elementos que estamos acostumados a ver nestes longas: ação de sobra, uma boa dose de violência, amigos fiéis, Chimman Chopra (Satyadeep Mishra), aliados pontuais, Kaizad Khambata (Karan Johar), inimigos implacáveis, Jimmy Mistry (Manish Choudhary) e antagonistas à altura do ‘herói’, o inspetor Vishwas Kulkarni (Kay Kay Menon). Tudo isto sem deixar de lado um aspecto imprescindível ao cinema de Bollywood: a música. E são as canções entoadas pela atriz principal que falam do único elemento que impede este universo de ser essencialmente masculino: a história de amor entre os protagonistas.

As referências a alguns dos filmes homenageados, como “Fúria Sanguinária” (1949), “O Poderoso Chefão” (1972), “Scarface” (1983), “Era Uma Vez na América” (1984), “Os Bons Companheiros” (1990) e “O Pagamento Final” (1993), são muitas vezes explícitas, outras nem tanto. E, ao contrário do que poderia acontecer, as diversas menções a estes clássicos hollywoodianos não atrapalham o entendimento do espectador comum e servem como atrativo para os fãs, que assistirão ao longa-metragem de olho nelas. Particularmente, eu me diverti bastante a cada novo achado. Aliás, devido a forma como o diretor conta sua história e ao fato de narrar a trajetória dos protagonistas desde a infância, para mim, e sem medo de ser injusto, estamos diante de uma espécie de “Era Uma Vez na Índia”. Acredito que o cineasta Sérgio Leone aprovaria esta comparação.
Caracterizado a imagem e semelhança de Robert De Niro, quando este era mais jovem, Ranbir Kapoor é a perfeita encarnação do malandro que cresceu largado e usou de todos os meios possíveis para vencer. Brigão, mal educado e vestido de forma desleixada. Aos poucos, à medida que enriquece e sobe na vida, ele vai se transformando. As roupas mudam, os hábitos são outros, mas, no fundo, o malandro de outrora continua ali e despertando sempre que acuado. O trabalho de composição do ator é ótimo. Assim como a química com a atriz principal, Anushka Sharma. Desde as primeiras cenas, a empatia é visível e eles protagonizam belos momentos. Da mesma forma que ocorre em outros longas do gênero, é o amor deles que suaviza o protagonista deixando mais perto de uma humanidade corrompida pela vida de crimes.

Bombay Velvet não é a primeira incursão do cineasta indiano no cinema de gângsteres. Em 2012, ele apresentou, em Cannes, o épico criminal “Gang of Wasseypur”. Ainda inédito no Brasil, este filme de mais de cinco horas, exibido em duas partes, recebeu críticas excepcionais lá fora. Justas, pois é realmente um portento cinematográfico. Aqui, Anurag “I wanna be Scorsese” Kashyap repete o feito com uma super produção levemente mais lúdica, devido à importância do romance dentro da sua trama, com um esmero maior em relação ao figurino de época e a mesmíssima dose de violência. Isto tudo com o plus de ter a três vezes ganhadora do Oscar, Thelma Shoonmaker, como a responsável pela edição final. Aliás, com quem ela costuma trabalhar mesmo?
Desliguem os celulares e excelente diversão.
(Filme assistido no 17º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro).
FICHA TÉCNICA:
Direção e roteiro: Anurag Kashyap.
Co-roteiristas: Vasan Bala. Gyan Prakash e S. Thanikachalam.
Produção: Vikas Bahl e Vikramaditya Motwane.
Elenco: Ranbir Kapoor, Anushka Sharma, Karan Johar, Kay Kay Menon, Manish Choudhary, Siddhartha Basu, Remo Fernandes, Satyadeep Misra, Vivaan Shah, Sarika Singh, Shaanti, Mukesh Chhabra e Raveena Tandon.
Montagem: Thelma Schoonmaker e Prerna Saigal.
Direção de Fotografia: Rajeev Ravi.
Trilha Sonora: Amit Trivedi.
Duração: 149 minutos.
País: Índia.
Ano: 2015.